Ácido no Paraíso
Lá pelos idos da década de cinquenta do século passado existia uma atração escura que aborrecia aos adultos, mas, alegrava a molecada. Numa decisão prática de solução no lema “que se danem os prejudicados”, os responsáveis ou “chefes” de um setor da Indústria Melhoramentos de Papel decidiram esparramar ainda quente um ácido de nome lixívia pelas ruas de terra, chão batido e poeirento do bairro, hoje, lembrado como sendo paraíso pelos remanescentes daquele lugar. Enormes caminhões pipas transportando a lixívia, por detrás deles, o escoamento dela era através de um grosso cano com orifícios de uma ponta a outra do cano. Assim o líquido mal cheiroso, tóxico e ardente ao ser aspirado era despejado em todas as ruas. Depois de ter penetrado na terra e secado, as ruas pareciam asfaltadas. Ficavam pretas e evitavam a formação de poeira. Durante o dia quando o líquido ainda estava fresco, isso aborrecia os moradores do local quanto precisavam sair de suas casas. Alguns mais adeptos da locução adequada para a ocasião exteriorizavam singelos palavrões, principalmente um que tinha como referência a mãe de alguém. Isso porque ao saírem de suas casas de sapatos novos, eles precisavam andar pelas beiras das ruas para não sujar seus sapatos. De nada adiantava. Os vagões da maquininha eram testemunhas disso. Os “turistas” que iam passear na Vila Cresciuma, Bairro de Perus, Balneário de Franco da Rocha, ou comer pastel no Bairro da Lapa da Cidade de São Paulo, deixavam seus vestígios nos vagões da maquininha. Claro, eles esfregavam seus sapatos no chão dos vagões deixando neles restos de terra preta tingida pela lixívia. As madrugadas também eram agradáveis com a melodia dos caminhões descartando o ácido indesejável para a indústria. Depois, numa idéia brilhante, o descarte foi por sobre o Rio Juquery. Um local estratégico era próximo da sempre lembrada ponte de madeira, mas, depois do rio passar sob ela, porque antes da ponte havia um bombeamento das águas do rio para o Filtro Rein, onde, tais águas eram tratadas para consumo na fabricação de papel e das residências locais e tais águas não poderiam ser poluídas. Outro local “bem-aventurado” situava-se pouco antes da Vila Ilha das Cobras, num barranco da rua até o rio. Lá também os caminhões despejavam seus conteúdos quentes e esfumaçados. Por isso, o rio tendo ficado preto, como que, enlutado, ficou ausente de suas criaturas submarinas. Entretanto, a molecada se alegrava por ter mais um brincadeira. Era o “pegar rabeira” dos caminhões quando eles não estavam soltando os líquidos. Pegavam rabeira até da carroça do Firmino que vindo de Perus ia por lá vender carne. A carroça até empinava e nem sempre ele percebia. Quando percebia xingava quem estivesse na rabeira. Certa vez, o saudoso Armandinho da Silva esteve correndo para pegar rabeira no caminhão de lixívia, e pelo espelho retrovisor o motorista o viu. Freou bruscamente e o Armandinho “deu de cara” na traseira do caminhão. Mas que malvadeza do motorista! O menino ficou com um lado do rosto todo inchado. Na época o “acidentado” relatou quem era o motorista safado, mas, não decorei o nome dele. Aos sábados quando havia baile no clube, se via moças e rapazes pelas ruas caminhando para lá desviando da lixívia preta e na volta do baile também. Era engraçado. Se não me engano os diretores da Indústria Melhoramentos foram homenageados por terem livrado o rio daquelas criaturas escamosas, peixes que poluíam aquelas águas potáveis que num longo percurso iam desaguar no Rio Tietê.
Altino Olympio