As vinte e três horas; irrompeu a orquestração
da música “fascinação” envolvendo num encantamento,
todos os presentes daquele baile.
Ao atenuar do som, o apresentador da orquestra, elegantemente trajado, ao microfone
anunciou: “Senhoras e senhores... com este prefixo musical, a orquestra
Tamajoara lhes deseja um bom entretenimento. Desejamos através da música,
acompanhá-los na descontração e embalar o extravasar de
suas emoções”.
Nem terminou e os pares já dançavam preenchendo os espaços
do luxuoso salão.
Sentados, separados pelas mesas ao derredor, um homem já na maturidade
e uma jovem, quando seus olhos se fixaram, ambos se admiraram.
Com meneios e acenos ele convidou-a para dançar. Dançando, logo
se sentiram envolvidos.
Harmônicos ao ritmo da melodia, floreceu-lhes a candura de sentimentos
nobres, os mesmos perdurando nas seleções musicais seguintes.
Com corações a palpitar, ele sussurrou ao ouvido da jovem:
--No fim do baile teu pai virá te buscar? E ela respondeu:
--Não, não tenho pai, minha mãe virá me buscar.
A resposta dela reativou-lhe um antigo remorso. Do seu casamento ha muito tempo
desfeito, desconhecia o destino da ex-esposa e de uma filha.
Essas tristes recordações foram se desvanecendo enquanto o tempo
e as emoções foram se sucedendo. Numa pausa, no momento quando
sozinha a bateria mantinha com seu rufar a cadência lenta da melodia anterior,
o cantor da orquestra antecedendo-a, principiou a cantar:
“Quando eu estou aqui
Eu vivo esse momento lindo
Olhando pra você
E as mesmas emoções sentindo
São tantas já vividas
São momentos que eu não me esqueci
Detalhes de uma vida
Histórias que eu contei aqui”
Foi demais! Apertando a jovem nos braços, aspirando seu perfume, deslizando
os lábios pela sua testa entre os cabelos esparsos e beijando-a, quase
não resistiu ao impulso de declarar-se e dizer-lhe: “Gostei tanto
de você, te quero, te quero!”
Felizmente não se declarou, mas, repercutia em sua mente o desejo de
ficar a sós com a jovem, talvez num motel.
Pensando nesse propósito ele perguntou-lhe.
--Você tem condução para voltar para casa?
--Tenho, minha mãe vem me buscar, já te falei.
“Ainda bem” pensou ele “afinal não será como
tem sido com tantas outras.”
Enamorados quando terminou o baile, sorridentes e de mãos dadas, seguindo
o fluxo de todas as pessoas ao se retirarem do salão, na aglomeração
junto a porta de saída , a jovem exclamou: --Veja! É minha mãe
que veio buscar-me!
Quando a jovem ia preparar as apresentações... a mãe dela
e aquele homem ficaram aturdidos instantaneamente, sem saberem o que fazer ou
dizer e então:
--VOCÊ! MÃE DELA! ENTÃO... ELA É MINHA FILHA?
--NÃO! TUA NÃO! ELA É MINHA E SÓ MINHA FILHA!
--MÃE! MEU DEUS! O QUE ESTÁ ACONTECENDO? ELE É MEU PAI?
--NÃO, ELE É UM CANALHA, VAMOS EMBORA! AGORA!
--NÃO! POR FAVOR, ESPEREM. PRECISAMOS CONVERSAR.
A insistência foi inútil. Transpondo a porta para o páteo
do estacionamento, sob os olhares curiosos dos participantes do baile, ele ainda
tentou dialogar mas não conseguiu.
Cabisbaixo, entristecido acompanhou com o olhar a partida do carro que as levou
daquele local.
Com lágrimas, recordações e remorsos, refletindo o que
deveria ou não fazer depois daquele fato, sentado no para-choque do último
carro ainda estacionado naquele solitário estacionamento, assim terminou
o baile e a noite daquele homem.