Antes, muito antes quando o antes ainda não me existia eu chutava lata pela rua. Eu tinha pai, tinha mãe, tinha irmãos, tinha um cachorro, tinha um gato, tinha a horta, tinha o abacateiro, a amoreira, tinha galos, galinhas e pintinhos no galinheiro. Mas, quando eu chutava lata vazia pela rua eu não tinha pai, eu não tinha mãe, eu não tinha irmãos, eu não tinha cachorro, eu não tinha gato, nem horta, nem abacateiro, nem amoreira e nem galinheiro. Chutando lata pela rua eu não me via, eu não me ouvia e nem pensava. Tudo no mundo se resumia na lata sendo chutada na rua.
Chutando lata na rua não existia o antes, o depois, a esperança, não existia a felicidade, o Deus, o amor, não existia o querer saber, não existia o querer ser. Não existia o passado, não existia o presente, não existia o futuro, não existia a sorte e nem a morte. Chutar lata pela rua era só o que acontecia e existia. A cada chute nela ela de mim se distanciava, se rodopiava fazendo barulho com o seu rolar pelo chão de terra como se estivesse dançando e cantando, naquele chutar lata pela rua que era só o tudo que era.
Quando eu chutava lata pela rua, nas matas que a ladeavam eu via flores silvestres, borboletas se descansando nelas e besourinhos verdes grudados nelas. Ouvia abelhas zumbindo entre elas e via no céu acima pássaros a voar e quando eu chutava lata pela rua tudo estava a me encantar. Mas, a cada chute na lata eu despertava do que via e ouvia e voltava como queria e como gostava, de nada ser e só ser o onde eu estava, chutando lata pela rua. Eu sentia o vento, me perdia olhando para o firmamento e não havia qualquer pensamento sobre o tempo.
Passou muito tempo do tempo em que eu chutava lata pela rua e de quando aquilo me era a vida. Nunca mais chutei lata pela rua e hoje aqui ainda estou tentando me recuperar dos chutes que a vida me deu. Quando eu chutava lata pela rua eu tinha a cabeça nua e não me existia nela tudo o que hoje se insinua e só serve para confundir a vida tornando-a uma mistura de religião, política, filosofia, ressureição, paraíso, reencarnação e outras coisas que até hoje ninguém apura e até tem quem não atura.
Quanto mais se envelhece mais a gente se aborrece, embora, ainda se goste de muita gente, mas por favor, que fiquem ausentes. Depois que deixei de chutar lata pela rua cresci forte sem que nada me desvirtuasse para a direita ou para a esquerda, pois o meu norte é ser patriota e os que não são, são idiotas. Só quem sempre está consigo mesmo, igual ao quando se chutava lata pela rua é que não fica a esmo sujeito às influências que afetam a inteligência de quem ainda consegue raciocinar mantendo a sua coerência. Jornal, rádio, televisão, internet, telefone celular e etc. são fabricantes de rebanhos. Infelizmente hoje existem poucos desgarrados.
Altino Olimpio