Antigamente a escuridão da noite era sentida como
silêncio. Era o interpor-se entre os pensamentos rotineiros do dia. Cobrava
uma reflexão sobre o existir. Não era como nestes dias plenos
de externos estímulos auditivos, sendo barulhos interferindo com a tranqüilidade
noturna, sempre interrompendo pensamentos. Quando não são os cachorros
que latem, veículos ruidosos circulam pelas ruas. Ouve-se também
alta vozearia de transeuntes desocupados pela madrugada. Com início já
na sexta-feira, não se sabendo vindo de onde, o som de vômitos
musicais repercute pelo bairro, sendo-se obrigado a ouvi-lo. Quando essa “espécie”
humana se diverte, ela gosta de se fazer ouvir mesmo por quem não quer.
Mas, paciência, essa espécie é a “imagem e semelhança
a Deus” e é pecado criticá-la.
Quando existe pausa dos ruídos, a noite volta a ser
o deleite das reflexões. À noite, o silêncio dela, a inspiração
que produz, o sentir paz, o perceber adentrar por todos os poros a força
do mistério da energia que é a vida, tudo isso e muito mais é
à noite dos boêmios individuais que mais vivem pela vida do que
pelo mundo tumultuado e cruel da competição humana por ganhos
além do necessário para a sobrevivência.
Noite, ela propicia o expandir da consciência que se
alastra anônima imiscuindo-se pela atmosfera parecendo ser um “barulho
do silêncio” quando ela impregna-se com a percepção
do infinito como se ele também estivesse dentro de nós, sendo
o que fomos antes de existir, somos existindo por dentro e assim seremos depois
da morte, uma re-introdução no desaparecer da vastidão,
dona de tudo que existiu, existe e existirá e pela eternidade sem nada
perder.
Devaneio noturno é a independência, a verdadeira
liberdade para sentir a vida fluindo e jorrando pensamentos sublimes como, sou
grato por estar aqui onde tudo também está, nada está demais
e nada está faltando como só sentimos alguma falta quando falta-nos
à oportunidade para nos integrarmos com a plenitude da imensidão.
Percebê-la possuindo a lei única regente do universo de todas as
radiações criadoras de todas as manifestações físicas
visíveis ou emanações invisíveis, que, complementam
o Todo, tudo sendo inseparável, a não ser pela constituição
da consciência humana, instituída para conviver com separações
que as identificações produzem na mente, para poder manipulá-las
conforme a necessidade do seu existir neste mundo, onde, restrita na matéria,
a consciência é diminuída do abranger cósmico para
ser individualidade separada num ser perceptivo dela, entendido como o microcosmo
que o ser humano é, sendo um dos significados esotéricos da “queda
do paraíso” donde una e totalitária a. Alma (consciência)
se dividiu e “caiu” em segmentos para ser introduzida em seres vivos
para após suas mortes, resgatá-los e reunificá-los outra
vez na inseparabilidade que é a realidade cósmica entendida no
dizer esotérico como “retorno à casa do Pai” onde
o tudo é indivisível e nada compreendemos enquanto divididos,
vivemos no “eu sou eu e não sou você” neste mundo para
nossa consciência mais restrita a ele e o resto é só...
O silêncio da noite.