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10/04/2006
Divagações pela noite

Antigamente a escuridão da noite era sentida como silêncio. Era o interpor-se entre os pensamentos rotineiros do dia. Cobrava uma reflexão sobre o existir. Não era como nestes dias plenos de externos estímulos auditivos, sendo barulhos interferindo com a tranqüilidade noturna, sempre interrompendo pensamentos. Quando não são os cachorros que latem, veículos ruidosos circulam pelas ruas. Ouve-se também alta vozearia de transeuntes desocupados pela madrugada. Com início já na sexta-feira, não se sabendo vindo de onde, o som de vômitos musicais repercute pelo bairro, sendo-se obrigado a ouvi-lo. Quando essa “espécie” humana se diverte, ela gosta de se fazer ouvir mesmo por quem não quer. Mas, paciência, essa espécie é a “imagem e semelhança a Deus” e é pecado criticá-la.

Quando existe pausa dos ruídos, a noite volta a ser o deleite das reflexões. À noite, o silêncio dela, a inspiração que produz, o sentir paz, o perceber adentrar por todos os poros a força do mistério da energia que é a vida, tudo isso e muito mais é à noite dos boêmios individuais que mais vivem pela vida do que pelo mundo tumultuado e cruel da competição humana por ganhos além do necessário para a sobrevivência.

Noite, ela propicia o expandir da consciência que se alastra anônima imiscuindo-se pela atmosfera parecendo ser um “barulho do silêncio” quando ela impregna-se com a percepção do infinito como se ele também estivesse dentro de nós, sendo o que fomos antes de existir, somos existindo por dentro e assim seremos depois da morte, uma re-introdução no desaparecer da vastidão, dona de tudo que existiu, existe e existirá e pela eternidade sem nada perder.

Devaneio noturno é a independência, a verdadeira liberdade para sentir a vida fluindo e jorrando pensamentos sublimes como, sou grato por estar aqui onde tudo também está, nada está demais e nada está faltando como só sentimos alguma falta quando falta-nos à oportunidade para nos integrarmos com a plenitude da imensidão. Percebê-la possuindo a lei única regente do universo de todas as radiações criadoras de todas as manifestações físicas visíveis ou emanações invisíveis, que, complementam o Todo, tudo sendo inseparável, a não ser pela constituição da consciência humana, instituída para conviver com separações que as identificações produzem na mente, para poder manipulá-las conforme a necessidade do seu existir neste mundo, onde, restrita na matéria, a consciência é diminuída do abranger cósmico para ser individualidade separada num ser perceptivo dela, entendido como o microcosmo que o ser humano é, sendo um dos significados esotéricos da “queda do paraíso” donde una e totalitária a. Alma (consciência) se dividiu e “caiu” em segmentos para ser introduzida em seres vivos para após suas mortes, resgatá-los e reunificá-los outra vez na inseparabilidade que é a realidade cósmica entendida no dizer esotérico como “retorno à casa do Pai” onde o tudo é indivisível e nada compreendemos enquanto divididos, vivemos no “eu sou eu e não sou você” neste mundo para nossa consciência mais restrita a ele e o resto é só... O silêncio da noite.


Altino Olímpio