São Paulo, represa de Guarapiranga, quarta-feira,
12 de novembro de 2003.
Antes das doze horas, no tablado de um pequeno porto de um local chamado Sailing
Center, o vento batia muito forte. Já colocado na água, o barco
branco, a motor e à vela do Edson Prando, agitava-se muito por causa
das ondas e do forte vento, “uma paulera”, conforme disseram funcionários
daquele local. Antes de adentrarmo-nos ao barco, uma tristeza invadiu-me até
o pingar de lágrimas.
Coitadas de todas as pessoas que conheço. Tão atarefadas em suas
responsabilidades, preocupações, compromissos, trabalhos, dependências,
escravidão aos deveres, dívidas, medo, desemprego.
Traidor dos costumes “nobres” de se viver ocupado, olhei para o
céu e pedi perdão por aquela ociosidade aquática.
O início do funcionar do motor do barco foi agradável de se ouvir.
Fiquei no leme e partimos contra o vento e as ondas. O subir e descer da proa
n’água, provocava o borrifar de gotas da lagoa para o meu rosto
e corpo. Seguindo assim até águas mais profundas, do meio da represa,
lá, com o motor em marcha lenta, o Edson içou a vela de proa.
A vela maior não pode ser içada, porque, seu mastro estava em
reparos. Com o motor desligado, sòmente ao sabor do vento forte, o barco
deslizava muito rápido.
Ouvia-se o atrito d’água barulhenteando pelo casco. Dentro da cabine
e dentro de uma geladeira de isopor, tinhamos sanduíches e refrigerantes.
Que estranho é o vento! Às vezes, por dentro dele, ficamos isolados
e imóveis numa calmaria.
Para sairmos dela mais depressa, o motor do barco tinha que ser religado.
A sensação do vai daqui, vai dali era formidável. Aproveitar
o vento que “pega” de lado, perpendicular ao comprimento do barco,
isso, imprime maior velocidade. Bandeirinhas afixadas nos cabos de sustentação
do mastro da vela, acusavam a direção do vento. Fizemos muitas
barbeiragens!
Numa das vezes, quase que o barco virou, por culpa minha, que, virei o leme
ao contrário do que solicitou o Edson. É que, naquela ventania,
havia dificuldade de ouvir e entender o que o outro falava.
Foi quando o capitão decidiu irmos para águas mais calmas e era
fácil distinguí-las. Num outro extremo da represa, a água
estava mais lisa, isenta de agitações. Significava que por lá
não havia forte corrente de ar ou que o vento era brando, assim explicou-me
o Pando.
Parecíamos estar sozinhos na represa, mas não! Ao passar por nós,
uma lancha potente sacudiu-nos com as ondas que provocou. Atrelada a ela, uma
garota estava esquiando. O Edson com as mãos ao redor da boca gritou-lhe:
“Hei, ele aqui é artista de rádio!” Barbaridade! A
mocinha de pernas bem torneadas ficou impressionada. Será que ficou mesmo?
Ou teria sido ilusão de velho? O fato é que ela perdeu o equilíbrio,
caiu e afundou nas águas fedorentas da Guarapiranga.
Pois é! Nas águas calmas deu tempo para percebermos minha falta
de experiência e desleixo. Muito mais que o Edson, eu estava parecendo
um camarão. Rosto, braços e pernas já eram arderem avermelhados
pela falta de roupa apropriada. Daí a bronca do chefe: “Hei cara,
nem boné você trouxe? Tome, vista este, bem apertado com a aba
para trás, porque o vento, novamente vai estar para derrubar boné”.
Ainda bem! Ficar na cabine, nem pensar... ... p. calor!
Quinze horas, início do nosso retorno pelas águas
agitadas pelos ventos fortes. Numa troca de posição da vela, um
acidente “lamentável.” O vento derrubou o boné do
capitão Edson nas águas turbulentas que, semi-afundado, perdi-o
de vista bem como, o local de sua queda. Isso aconteceu enquanto o Edson esteve
preocupado com a aproximação das águas rasas que poderia
atolar seu barco.
Eu, rindo sem parar, gritei: “O mestre ensinou ao discípulo e o
discípulo superou o mestre. Eu não deixei cair meu boné!
Foi quando o mestre virou macho e falou: --P.q.p. se fosse um homem você
o teria perdido.
--E daí! Que se dane se fosse um homem. Tudo é tão rápido
que confunde o raciocínio. Ainda mais voltar e localizar o teu boné!
Até o leme parece que ficou louco... ... adeus boné.
Depois disso, a preocupação foi atracar o barco sem acidente,
porque, próximo ao porto que antes estava livre, vários barcos
estavam ancorados. Porém, entremeio a rajadas de vento e ondas parecidas
com as do mar, o filho da Tica saiu-se bem. E assim terminou aquela aventura
tão triste. Hoje ao relembrar o quanto nós sofremos naquela quarta-feira
lá na Represa de Guarapiranga, dá vontade de chorar.