Muitos ainda vivendo por aqui foram do esquecido tempo quando
crianças brincavam tranqüilamente pelas ruas de seus bairros. Fomos
do pular corda, brincar de piques, queimado, jogo de taco, empinar papagaio,
construir cabana na mata, rodar pião, iô-iô, rodar pneu e
aro de metal pela rua, brincar de pula na mula, jogar malha, fomos do jogo de
botões, pelada com bola de meia, vários jogos com bolinha de vidro,
jogo com pedrinhas, fomos de brincar com bolinhas de sabão, de cabra
cega, de bater peteca, brincar com carrinho de quatro rodas feito em casa, fomos
de apostar corrida de carrinho humano, fomos de brincar de mocinho e bandido,
soprar canudinho de papel por um tubo de metal, jogar bafo com figurinhas que
vinham enroladas em balas, fomos de colecionar maços vazios de cigarros
e até fazer cintos com eles, catar pinhão, catar goiaba na mata,
lenhar, armar urupuca, correr atrás de balão e também de
içá e fomos de nadar em lagoa.
Fomos de pescar sob as sombras das árvores, passear de barco e comer
ingá da beira do rio, brincamos com muitos besourinhos verdes e nos grandes
e escuros, amarramos caixa de fósforos para eles puxarem, fomos de assar
batata doce nas brasas do fogão à lenha, vimos o Louva-Deus pedir
perdão, fomos de represar as enxurradas das chuvas nas margens das ruas
e nelas flutuar barquinhos de papel, das chuvas de pedra chupamos gelo com açúcar,
fizemos cata-vento de madeira, fomos de ler gibi, fomos encantados pela cartilha
escolar e admirados com a primeira caneta esferográfica que surgiu.
Até os treze anos ou mais, descontraídos andamos descalços
e a noite brincamos e conversamos ao redor de fogueira e fomos de tantos outros
divertimentos, mas, apagaram-se da memória.
Alguém já escreveu que nesta nossa época
as crianças de dez anos já são velhas. Nisso entende-se
que o “progresso” roubou todos os espaços das crianças
e a tecnologia moderna infiltrou-se em suas mentes castrando-lhes suas criatividades.
Crianças de antigamente dificilmente adoeciam, pois, suas liberdades
e contatos diretos com a natureza perfaziam um viver harmônico livre de
responsabilidades e preocupações. Nestes tempos, as crianças
são mais restritas em seus lares ou nas precoces escolinhas onde seus
movimentos são vigiados. Afastando-as de um viver natural, real, a televisão
e o computador provocam o vício de um viver virtual. Não é
surpresa se alguma criança nunca viu uma bananeira, ovinhos ou filhotes
de pássaros em seus ninhos e uma cigarra cantando. Existem pais que estão
contentes com seus filhinhos tão “inteligentes” já
abarrotados com a fúria de tantas informações difundidas
que eles abrigam, tirando-lhes suas inocências antes do tempo e elas foram
o que de melhor nós tivemos.
Num tresloucado viver, parecendo ter como combustível a inconsciente
busca da infância perdida, vemo-la substituídas por ídolos
da hipnose coletiva do viver virtual onde multidões atraídas por
eles se pisoteiam e se matam. Quando não, alguns dão entrevistas
tão imbecis sobre si e sobre esses ídolos, parecendo mesmo que
não tiveram uma infância natural. Tem discernimento humano, compostura
e algum “jogo de cintura” que só se aprende numa boa infância.
Paciência! Restringiram os tempos das crianças, seus espaços
e liberdades. O que sobrou para elas tem veneno adulto. E os adultos, crianças
grandes que são, sempre brincando de seriedade, responsabilidade, política,
poder, domínio, religião, filosofia, futebol e tudo o mais, não
passam de perdidos no paraíso sem pirulito. Isto explica nossa saga neste
mundo em que infância já era.