Sou dos tempos passados de quando não se ouvia falar de filas. Agora que me encontro tão passado, por aonde vou sempre me deparo com elas. Existem mais as filas para pagar do que para receber. Parece-me que pra nascer não existe fila. Essa facilidade é para as crianças ao nascerem pensarem que nasceram num paraíso brasileiro e pensando assim não se arrependerem de nascerem.
Parece mentira, mas, desde crianças somos enganados, apesar de sermos anjos. Logo o paraíso mentiroso termina e as crianças precisam participar da sociedade. Parece que o meio mais democrático para isso é frequentar as filas. Elas são lentas iguais as filas de carros pelas ruas e avenidas deste nosso país “fila-antrópico”. São lentas para as pessoas conversarem e se conhecerem. Depois que um cientista brasileiro inventou a fila, isso, fez com que aqui não mais exista estranhos.
Felizmente na Cidade de São Paulo existe uma fila que causa inveja por ela se bem rápida. É a fila dos vendedores ambulantes gritantes, falantes e alarmantes dos trens da CPTM. Tal fila vai do primeiro ao último vagão do trem e depois do último ao primeiro. Como se sabe, os brasileiros são os mais educados do mundo e nunca se soube ter existido alguém que tenha furado alguma fila. Eles até deixam passar para frente da fila quando tem alguma criança com uma mulher no colo.
Parece que para entrar nas igrejas não tem fila. Gostaria de saber qual é o aplicativo usado para evitar isso. Outro dia passei numa rua e vi uma fila enorme e só de homens. Pensei que talvez fosse por causa de uma amiga. Uma vez eu não quis sair com ela e ela me disse que eu ia me arrepender porque a fila anda.
Outro dia meu primo Edson Navarro de Caieiras me perguntou se eu já estou conseguindo ver o início da fila. Não vejo porque fico na fila batendo papo com os que chegaram antes e, quando às vezes a fila para um pouco eu os empurro pra frente.
Aqueles que quase já não conseguem andar direito, eu os carrego no colo e os levo lá no começo da fila. Ninguém reclama e até me aplaudem. Como sou muito sociável sempre saio da fila para conversar com os amigos e conhecidos. Os assuntos sobre hospital, pronto-socorro, médicos, remédios, exames de sangue, pressão alta, planos de doença muito caro e etc. dominam o alto nível intelectual da fila.
Bom é quando na fila tem músicos da Orquestra de Parkinson. Eles tocam pandeiros como ninguém e sem se cansarem. Quando eles vão ao banheiro urinar parece que ficam fazendo porcaria individual, mas, não é isso, não.
Certa vez procurei vários amigos e conhecidos para conversar, mas, não os vi. Desapareceram, abandonaram a fila e não avisaram ninguém. O pior é que ninguém mais se lembra deles, nem seus parentes. Também têm os teimosos na fila. Alguns usam bengala, já são surdos e quase cegos, já há muito tempo deixaram de serem reprodutores, mas, urinar ainda conseguem mesmo que, fora do vaso.
Tem lugar preferencial para eles e, no entanto eles insistem em ir para o fim da fila. Agora, o mais engraçado, várias mulheres que já se encontram próximas ao início da fila, elas pedem para que outros guardem seus lugares e se ausentam para irem aos bailes.
Um leitor do Jornal “A Semana” de Caieiras quase apanhou na fila. Se não me engano ele tem pós-graduação de hipocondria e por isso pensa que é o tal. Cismou de ser o primeiro da fila e não saia de lá. Por isso, ele parou, atrasou a fila, impediu que ela andasse.
Por isso quase apanhou, daqueles mais exaltados que já haviam percebido que quando a vida chega à velhice, desprezados que são pelos mais jovens e às vezes até pelos parentes, eles só encontram consideração, respeito, consolo, amor e carinho vindo dos donos das funerárias. E eles gritaram para o rapaz primeiro da fila: Sai daí, cai fora, você não f. e nem sai de cima!
Na fila tem de tudo. Tem mais de um lá que não quer deixar o que tem por aqui. Um deles, o senhor... Sabe-se quem é ele. Tão materialista como é, ele tem um saco onde guarda documentos de suas propriedades e não larga do saco. Coitado, o saco dele está tão enrugado e já faz tempo que os seus “documentos” perderam a validade. É até comum alguém que nem esteja na fila ser atendido primeiro.
Atualmente, eu costumo sair e voltar pra fila. Até sei quem são aqueles que me adoram ver na fila e até ficam torcendo para que logo eu seja atendido. Inimaginável são quantos e quantos já frequentaram a fila da cidadezinha de Caieiras. Agora já não são muitos como antigamente, mas, boa parte dos que ainda restam dos descendentes dos pioneiros já frequentam a fila. Quase todas as semanas se têm notícia de que alguns desses restantes deixaram de serem vistos na fila, pois, suas pendências foram resolvidas, finalizadas para sempre.
Agora numa homenagem cantemos com o Francisco Alves que saiu da fila em 1952 a música a seguir:
Adeus. adeus, adeus - Cinco letras que choram – Num soluço de dor – Adeus, adeus, adeus – É como o fim de uma estrada – Cortando a encruzilhada – Ponto final de um romance de amor
Quem parte, tem os olhos rasos d’água – Ao sentir a grande mágoa – Por se despedir de alguém – Quem fica também fica chorando – Com o coração penando – Querendo partir também – Adeus... ...
Altino Olympio
Comentários:
Walter Coelho <[email protected]>
Hoje, 14:54 Você
Amigo Altino,
Dia 22 de agosto eu cheguei quase a ser o primeiro da fila. Um erro de diagnóstico dava como origem das minhas fortes dores na lombar as hérnias de disco. Era a vesícula. Sai da fila e fui para a sala de cirurgia. De lá, após passagem pela UTI, voltei pro final da fila já sem minha querida Vesícula Biliar.
No dia 29 de novembro outro erro de diagnóstico dava como causa das fortes dores no peito uma inflamação do esôfago.
Não era: eu estava enfartando e enfartei. Coloquei um “stent” e, recuperado. Fui para o final da fila.
Aqui estou esperando que ela ande bem lentamente e que novos erros não ocorram.