De corpo e alma, estar atento ao ruído do córrego,
debruçar-se onde a água se avoluma, observar sua tranqüilidade
e transparência antes de pousar os lábios sedentos, ver a própria
imagem refletida e distorcida pelas ondas em círculos concêntricos,
maiores à medida que se distanciam de sua origem - os lábios movendo-se
para saciar a sede.
Postar-se ereto ao sabor do odor e da brisa da vegetação, caminhar
lentamente sob as sombras e pelo chão macio forrado de folhas secas retorcidas,
sentar-se numa clareira e expor-se ao tímido sol das tardes de outono
e tentar como são as aves e os animais, integrar-se na Natureza.
O outono propicia o espetáculo de vida e morte!
Alguns estalos rompem o silencio, denunciando as folhas desprendendo-se dos
galhos das arvores, debatendo-se entre eles, buscando espaço livre para
num rodopio pelo ar, pousarem no chão já abarrotado por tantas
outras folhas.
Suas expressões como folhas, terminaram!
Exemplo tão natural da morte na Natureza, cedendo espaço para
outras vidas, representadas pelas novas folhas que brotarão com vigor
de novas vidas para embelezar nosso mundo.
Sendo simples essas percepções, no entanto, só somos conscientes
delas se o intelecto civilizado estiver ausente temporariamente.
Se o intelecto como pensamento é vida, sensibilidade ou sentimento é
existência sublime!
O corpo humano - o invólucro da alma - dá guarida às sensações
e a alma as absorve e se realiza.
Findando o dia, a noite veio como para despoluir a atmosfera das pesadas vibrações
das exaltações possessivas da humanidade. Com ela - a noite -
escurecendo os sentidos, procedente de devaneios, o sono se apodera do invólucro
- a morada da alma - e libera-o das percepções conscientes.
Rompidas as fronteiras do consciente para o inconsciente, o mundo agora é
subjetivo e individual das vivências oníricas.
No meu sonho - como outrora quando não havia desenlace familiar - atraído
pelos alaridos adentrei no nosso quarto iluminado e a vi sorridente como quando
ainda no invólucro. As meninas estavam sentadas na nossa cama e ela escovando-lhes
os cabelos quando as interrompi:
- o que aconteceu? Você esta mais linda do que quando te vi pela primeira
vez. Seus cabelos longos e repicados, nunca a vi com esse penteado! Quero te
abraçar e beijar, parece fazer tanto tempo que não... ... ...
- Pare! Não atrapalhe!
- Gozado... você não envelhece e deixa-me até complexado.
- Bobo! Mas... como você é relaxado! Que bagunça está
esta casa! Você não cuida das meninas!
- ...? Eu? Mas isso é problema seu!
- Não agora não! Deixou de ser. Veja! Uma tem bastante cabelos,
lisos e grossos, longos e loiros. A outra tem menos cabelos, longos também
mas, finos e escuros. Para não doer, faça como eu, aperte uma
das mãos na cabeça e com a outra mão, passe a escova para
desembaraçá-los e ... ... ...
O despertar desvaneceu o encantamento do meu sonho.
Na vivencia anterior através dos sonhos, a convivência com quem
já teve seu ultimo outono é comum.
Ao acordar, as imagens oníricas se retidas, irão enriquecer o
mundo da memória - nosso mundo subjetivo. As imagens oníricas
do nosso mundo subjetivo antes de desvanecerem pelo cotidiano, irão intercalar
com o mais preponderante dos mundos - o mundo material da sobrevivência.