Tardes de Lindóia
Quem já percebeu aquele sentimento, não sei se nostálgico ou melancólico, dos instantes em que o dia está morrendo e nascendo a noite? Ou daqueles instantes não mais tão claros que quase já estão para o dia escurecer e assim anoitecer? Muitas vezes isso me foi percepção. Hora para os pássaros se recolherem e para as galinhas irem para o poleiro. Antigamente, pelas ondas sonoras do rádio, às dezoito horas era a hora da “Ave Maria”, isso, pra quem ainda vive e se lembra.
Sem dúvida, um homem soube tão bem relatar musicalmente aqueles momentos intermediários entre os dias e as noites quando parecia que a natureza se preparava para descansar. O homem se chamava José Gomes de Abreu, mais conhecido como Zequinha de Abreu. Nascido em Santa Rita do Passa Quatro em 1880 vindo a falecer em São Paulo em 1935 aos cinquenta e quatro anos de idade.
Autor do mundialmente famoso chorinho “Tico-tico no Fubá”, também foi inspirado quando compôs a música “Tardes de Lindóia”. Cantada por nossos conhecidos artistas cantores como a Ângela Maria e pelo Francisco Petrônio, ao ouvi-los parece que se vê o fim do dia na antiga Cidade de Lindóia. Então, o Zequinha de Abreu percebeu, sentiu como ninguém, a emoção pra ele, de um fim de tarde numa cidadezinha do interior.
Será que ele estava apaixonado quando compôs uma música com letra tão pertinente ao que ele viu e sentiu em Lindóia quando o sol recolheu seus raios de luz anunciando que o dia estava para terminar e todos poderiam ir descansar? Parece que o estou vendo, “vendo” em sua mente o fim do dia daquele lugar, durante a noite, pensando em como descrevê-lo como um poema, que, cantado iria provocar sentimentos parecidos ao que ele sentiu. Intento conseguido com estas letras da música:
Tardes silenciosas de Lindóia
Quando o sol morre tristonho
Tarde em que toda a natureza
Veste-se de véu, e sonho
Mas que início cativante. Faz parecer que ‘a vida é bela’ e nada se interpõe contra ela.
Baixo os arvoredos murmurantes
De tênue brisa a soprar
Anjinho dos sonhos meus
Não sabes tu como é sublime contigo sonhar
Nota-se aqui um estado d’alma exaltado e um carinho especial para quem foi o anjinho dele.
Longe lá no horizonte calmo
As nuvens se incendeiam
Num incêndio de luz
Vibra e se exalta minh’alma
Na sensação que a seduz
A visão do horizonte e a visão do céu induzem mesmo a ter sensações de calma e de paz.
Um plangente sino toca
Chamando à prece a todos
Os que ainda sabem crer
Então eu sonho e creio
Beijar tua linda boca
Para acalmar o meu sofrer
Badalar de sinos que ressoavam pelos lares das cidades... Só de ouvi-los já era uma prece momentânea. Hoje, estamos na era de quando para muitos de nós “tudo já era”. Ouvindo a música em questão, ela parece conduzir o pensamento para épocas de quando não havia as tecnologias de hoje. A sensação principal era de mais as pessoas se verem e conversarem. Num lugar pequeno, fosse uma cidade, um bairro ou vila, quase todos se conheciam e em qualquer evento quase todos compareciam.
Hoje, quem já tem muita idade e viu o local donde viveu ampliado pelo progresso, “ao olhar” para o passado, “vê” moradias e seus moradores que desapareceram como se nunca tivessem existido. E aquelas tantas pessoas que durante a nossa vida, de criança até adultos estivemos a conhecer e, no entanto, das tantas que já se foram, de quantas delas conseguimos lembrar? Voltando à música Tardes de Lindóia, se não fosse por ela e outras, o compositor dela, Zequinha de Abreu jamais seria lembrado, como, bilhões de anônimos que existiram pelo mundo, por não terem deixado “seus rastros” na história, não são lembrados e também são como nunca tivessem existido.
Entretanto, nós que ainda estamos vivos e tendo quem se lembra de nós, ainda podemos brincar e cantar: “Lembrar deixa-me lembrar; Meus tempos de rapaz no Brás; As noites de serestas; Casais enamorados; E as cordas de um...”. Ah, é só pra homens. Mulheres não podem cantar: “Meus tempos de “rapaz” no Brás” (risos). Se bem que hoje os sexos se confundem e... ... ...
Altino Olympio