11/01/2023
Formigando pelas lembranças

Formigando pelas lembranças

Em cima do muro de divisa entre minha casa e a do vizinho fico vendo que o tráfego de formigas é intenso. É um ininterrupto vai e vem delas carregando em suas costas pedacinhos de folhas verdes maiores do que elas. Elas se dirigem ao quintal do vizinho que é gramado. É invejável ver como elas trabalham sem reclamar de seus destinos. Minhas filhas e netos nunca me falaram algo sobre as tais formigas. Será que ficar olhando para as formigas é coisa de quem não tem o que fazer na vida? Além de ficar olhando, também fico imaginando coisas (risos). Será que elas lá pelos seus buraquinhos quando retornam dos seus trabalhos ficam descansando e assistindo televisão? Acredito que não, pois, é pecado ficar enchendo a cabeça com tanta besteira e o Deus Formiga castiga.

Olhando para as formigas, tive uma auto hipnose e fiquei ausente do meu presente. As formigas foram substituídas por outras, pelas tanajuras ou içás como eram chamadas. Em dias de calor intenso, elas apareciam em bando pelo ar das ruas e caiam ao chão de terra e eram comíveis (risos). Numa ocasião recolhi bastante das ruas e minha madrinha Ditinha Valbuza fritou-as para eu comer. Tanto tempo passou e eu nunca mais vi as içás. Parece que elas foram embora para outro país porque muitos dos içás que eram políticos eram corruptos e prejudicaram o viver delas.

Mas, como lembranças vem e vão me lembrei que a vinda das içás eram muito festejadas pelos pássaros que as caçavam enquanto elas ainda estavam voando pelo ar. Às vezes eu a tudo assistia sentado no último ou no mais alto degrau da escada que era a saída de casa para a rua. Meu cachorro sempre ficava ao meu lado, como que, para me proteger das más influências, mas, naqueles tempos não existiam más influências. Só me sentia vigiado por muitas andorinhas que ficavam lado a lado umas das outras e nos fios elétricos esticados entre um poste e outro. Em seus trajes a rigor elas pareciam me observar e até sussurrar algo a meu respeito (risos).

Naqueles meus tempos de inocência era proibido matar andorinhas, pois elas eram de Deus e os beija-flores também eram. Entretanto parece que não havia problemas se com estilingadas se acertassem outros pássaros, como as sabiás, as rolinhas, os tico-ticos, os tizius, os pardais, os sanhaços, os nambus e etc. E por falar em pássaros, perto de minha casa existia num galho de uma árvore que ficava à beira rio, uma casinha de barro construída pelo pássaro João de Barro. Um belo trabalho de engenharia que nada conseguia danificá-la. Sei que hoje tem muita gente que nunca viu uma casinha de João de Barro. Nem nunca viu um ninho de pássaros cujos filhotes ficavam piando como se estivessem com fome. E também nunca viram a dona do ninho agitada preocupada com a proteção de seus filhotes quando algum homem malvado estivesse por perto dele, do ninho.

Parece que fiquei muito tempo longe de onde estou (risos) vendo pássaros e içás. Voltando então para perto do muro de onde minhas formigas em fila transportam suas cargas pesadas, me lembrei de que por umas vezes a morte me chamou e eu não a obedeci. Não poderia ir-me sem antes participar de algo muito importante na vida como assistir ao espetáculo das formigas em suas lidas com as suas responsabilidades diárias de abastecerem seus buraquinhos com o que elas necessitam para as suas sobrevivências. Haverá na vida fatos mais importantes do que ficar vendo as formigas trabalharem?

Parece que não! Lá pelo decorrer do tempo na vida se chega num tempo em que até as importâncias deixam de ser, inclusive outras pessoas também (risos). Isso porque eu fico vendo o que as formigas fazem, mas, não perco mais tempo vendo o que fazem os seres humanos (risos). As formigas me distraem e os homens só se traem.

Os seres humanos parecem ser um formigueiro quando muitos se reúnem numa praça ou numa avenida qualquer quando querem reivindicar pelos seus direitos, pela liberdade de viver que merecem ter, pelo poder que emana (emanava) deles, do povo. Tem uma dita dura ou um dito duro que diz: Como formiguinhas muitos se agruparam, mas, quem tinha o dever patriota de ser solidário com eles e atender suas reivindicações ou súplicas, simplesmente os traíram como traíram a pátria. Aqui vale repetir: Se formiguinhas me distraem, os homens só se traem “democraticamente” (risos).

Altino Olimpio



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