Foi no lugar donde nasci e vivi minha juventude, que, como acontece para qualquer um, eu tive as primeiras noções do que seria o mundo e a vida. Como “seria” o mundo e a vida, mas, só muitos anos depois eu “descobri” que a vida e o mundo não eram apenas como eu os concebia quando era jovem e morava num lugar pequeno. Naquele lugar de poucos entretenimentos e de acontecimentos como se fosse um mundo pequeno dentro de um mundo grande, lá, o viver era restrito ao que aquele lugar simples tinha para oferecer aos seus habitantes que também eram simples. As notícias “de fora” se eram recebidas por alguém de lá, parecia que elas não eram comentadas entre os outros do lugar. O lugar mais era restrito para as suas próprias notícias que mais eram sobre como eram as pessoas.
A fábrica de papel, proprietária de mais de mil casas para seus funcionários, calculando considerando que em cada casa morasse cinco pessoas, marido, esposa e três filhos, então, cerca de cinco mil pessoas eram mantidas pela Indústria Melhoramentos de Papel de Caieiras. Os locais de maior relevância tendo suas vilas adjacentes para os moradores eram três: Bairro de Caieiras, Bairro da Fábrica e Bairro do Monjolinho. Naqueles lugares, cada um tinha o seu clube esportivo para seus moradores se descontraírem nos fins de semana e mesmo durante os dias de semana. Ainda hoje, alguns remanescentes daqueles lugares que não mais existem dizem que lá onde nasceram e viveram era um paraíso.
Lá onde também passei minha juventude e onde nasci em 1942, lembrando agora, nunca ouvi alguém comentar algo sobre a segunda guerra mundial. Não me lembro se alguém comentava sobre quem era o presidente deste país. Isso era coisa do “outro mundo” (risos). Nunca ouvi alguém citar nomes de filósofos como os dos mais famosos que o “mundo de fora” os apreciava e os enalteciam, sendo dentre eles o Sócrates, o Platão, o Arthur Schopenhauer, o Friedrich Nietzsche e tantos outros que encantaram tantos com suas filosofias. Quem era o intelectual daquele lugar e daqueles meus tempos de jovem eu não o conheci e nem soube se ele existiu. Mas, a intelectualidade não era a necessidade primordial daqueles tempos felizes.
A religião mais predominante era a católica. Embora, muitos católicos eram mais participantes de missas de sétimo dia, de cerimonial de casamentos e de festas de igreja com suas quermesses e com suas barracas de atrações divertidas como as de jogo de argolas, o pescarem peixes na areia, derrubar cigarros com espingardas de tiro de rolhas e etc., mas o mais agradável entreter era o se encontrar de todos na festa que até servia para os mais jovens flertarem e até iniciarem um namoro naquele lugar onde já existiam evangélicos e espíritas, embora, eles fossem poucos.
Naquele lugar que o “destino” me obrigou a nascer, os casamentos entre os jovens mais eram entre eles mesmos pertencentes ao mesmo lugar (risos). Aquele povo parece que não tinha ambições, como, no futuro ser alguém mais do que como alguém eles já eram ou ter mais do que eles já tinham. Para aquele povo trabalhar para a fábrica de papel, criar seus filhos, se entreter com o pouco entretenimento que tinha já parecia ser-lhe suficiente. Isso se trata da simplicidade com que aquele povo vivia. Por isso quase não havia alguém que se destacasse mais que os outros em termos de posse ou de aptidões superiores aos demais. Aquele lema que surgiu na época da revolução francesa “liberdade, igualdade, fraternidade” seria bem propício para identificar o modo de vida dos habitantes daquele memorável lugar.
Quanto a eles, a maioria da geração anterior a minha já morreu. Um ou outro ainda vive, mas, com idade muito avançada. Cada um deles daquela maioria desaparecida era um pequeno sonho individual dentro do grande sonho que é a vida e que é o mundo, pra não “dizer” que tudo parecia ser uma ilusão. Hoje quase ninguém se lembra daqueles que outrora existiram “a não serem seus parentes” que, “de vez em quando” se lembram deles. E quando tais parentes também morrerem ninguém mais vai se lembrar daqueles que existiram e viveram num passado não tão remoto. Mesmo que seus nomes fiquem inscritos em sepulturas, só servirão para a curiosidade de quem possa perguntar: Quem teriam sido essas pessoas cujos nomes estão inscritos nas lápides deste cemitério antigo? É assim mesmo, todos nós somos destinados a sermos desaparecimentos e esquecimentos.
A vida é assim, “quando se vê já se viveu”. E quando já se viveu significa já estar velho com a noção de que o tempo, sem ter sido percebido, passou rápido demais (risos). O tempo é a passagem ininterrupta de nossos instantes de consciência e, portanto eles são os nossos estados presentes subsequentes e o principal sentido ou certeza da vida é que ela termina. E sendo assim, tudo o que nós consideramos como sendo principal para a nossa existência morre conosco. Talvez haja outro sentido para a vida que não seja culminante como é a morte. Talvez seja apenas o viver a vida, mas, como se sabe, muitos influenciados por muitos querem crer que o propósito da vida está no depois dela. Mas isso pode pertencer ao mistério que ainda é hipótese. Ou então talvez não exista nenhum mistério e sim a rotina “consciente” por todos que é o nascer, viver e morrer. E me pergunto, será que alguém já elucidou o final da aventura humana na terra?
E o mundo parece mesmo ser uma indústria de sonhos. Só parecem serem pesadelos quando se pensa ou se lembra da inevitável morte que a natureza “oferta” a todos. Entretanto, enquanto a morte não vem, como é reconfortante “sonhar” que para sempre seremos o mesmo alguém, embora, o “diagnóstico” sobre isso está para como qualquer um quiser ou “achar” melhor (risos). Coitados dos descrentes de tudo, pois, eles não têm o mesmo consolo dos que acreditam no que eles não acreditam. Isso do acreditar ou não acreditar também faz parte do sonho de cada um deste mundo donde o sonhar acordado supera a falta de atrativos da realidade que, tão paciente como ela é, ela ainda tem a esperança (impossível) de que em algum dia ela seja a mesma para todos para evitar discórdias. O mundo só não é “chato para se viver nele” porque um dos seus sonhos é a diversidade de conceitos e de opiniões que existem para não torná-lo monótono como seria se todos tivessem as mesmas opiniões e os mesmos conceitos, embora, “opiniões e conceitos” sejam criados pelos homens.
Contudo, o que seria do mundo ou da humanidade se todos pensassem e acreditassem que a vida é mesmo uma ilusão. Não haveria tanto progresso, não haveria evolução. Sem as duas irmãs propulsoras da “felicidade”, a ilusão e a vaidade, o mundo poderia ficar inerte. Pra que estudar, pra que trabalhar, pra que construir, pra que possuir e etc. se tudo é ilusão? Para o Rei Salomão da Bíblia, tudo era vaidade das vaidades. No entanto, hoje como se observa, as vaidades e as ilusões movimentam o mundo. Elas criam lucros, mais para aqueles que incentivam as vaidades e as ilusões entre os ainda ingênuos e entre os que facilmente são iludidos.
Se a justiça dos homens é falha, a justiça da morte não é. Para ela os ricos e os pobres, os inteligentes e os ignorantes, os crentes e os ateus, os ladrões e suas vítimas, os corruptos e os honestos e etc. todos lhes são “farinha do mesmo saco” para terem o direito, ou melhor, para terem o “dever obrigatório” de sucumbir por ela que é a morte sendo a lei mais rigorosa da vida e que nunca é infringida (risos). Para compor este texto extenso, uma volta ao passado de nossos antepassados serviu como exemplo para expor que a “nossa vida atual não difere das deles” que se tornaram ausentes parecendo como se nunca tivessem existido. Parando por aqui embora houvesse mais discrepâncias para expor (risos), que cada um a seu favor avalie deste texto o que melhor lhe convém se é que algo deste escrito lhe possa ser conveniente, pelo menos para refletir sobre como é a vida.
Altino Olympio