Numa noite, numa pizzaria da Av. Brigadeiro Luiz Antonio
( São Paulo), enquanto meu amigo falava, eu comia. Atento sem interrompê-lo,
o ainda monólogo desenrolou-se conforme fui ouvindo:
- Fui piloto, sou advogado, dediquei muitos anos de minha vida á Ordem
Rocracruz, sou maçom, li muito, mas, cheguei á poucas conclusões.
Atualmente (1991) tenho pensado muito sobre a razão da existência.
Estou escrevendo um livro e...gostaria que você prestasse atenção.
Como você sabe, o homem daqui deste planeta, apropria-se de tudo, conforme
sua necessidade ou prazer.
- Sim, claro! Isso é óbvio.
- Quanto aos animais, come sua carne, industrializa o resto, quanto não
os mata por esporte. Como vês, tendo predominância, o homem usufrui
de tudo que existe. Não existirá ele também para um propósito
parecido?
- Como assim, não entendi! Explique-se melhor.
- Algo inimaginável, inominável, superior, à nós
e inacessível à nossa razão, será que também
não se apropria dos atributos da nossa vida nesta existência?
- Não sei e nunca pensei nisso.
- O homem mata, rouba, guerreia e todas as aberrações pratica,
mesmo sabendo ser errado. Por tudo isso, concernentes aos sofrimentos gerados,
emoções de revolta, ódio ou tristezas são liberadas,
digamos, para a atmosfera. Minhas cogitações levaram-me a imaginar
que algo monstruoso, muito além de nossa compreensão e impossível
à especulação humana abranger, esse "algo monstruoso"
seja lá o que ou como for, se apropria e se alimenta da vibrações
liberadas através de nossas emoções, como o homem, apodera-se
das criaturas inferiores à ele, para benefícios material.
Essas cogitações, sei de que parecem delírios, serviu-me
até para atenuar a culpa das tantas atrocidades cometidas entre os seres
humanos - o ápice da criação. E sempre me vem na mente
aquela famosa frase de Jesus:
"Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem."
- Barbaridade! Que abstração medonha! Se estivéssemos na
época da inquisição, teríamos uma bela fogueira.
E você até está escrevendo um livro e o que é pior,
irão ridicularizá-lo.
- Sim, isso eu sei! Mas aqui vale lembrar o que disse Lichtenberg:
"Reflexões como essas são como um espelho: se um burro se
mirar nele não se pode esperar que a imagem refletida seja de um anjo."
-Ah, ah, ah! Já li isso mas, enquanto você discorria sobre suas
"cogitações", lembrei-me do Gurdyeff.
Ele escreveu que, para impedir a evolução mental ou espiritual
do homem, a Natureza cria-lhe obstáculos os mais diversos, pois, quando
o homem evolui, deixa de alimentá-la com sua energia.
Essa "energia" pela qual se refere o Gurdyeff, não tem semelhança
com as vibrações liberadas da emoções humanas, das
quais, o seu "algo monstruoso" se apropria e se alimenta?
Como deves concordar, o homem quando adquire o auto-domínio, controla
suas emoções e não mais as libera como a maioria faz. Por
isso é que um homem controlado é tido como um ser humano frio.
- Pode ser, sendo como você...
- Espera! vou completar meu raciocínio, claro que, baseado nessas abstrações.
Gurdyeff dizia que a Natureza se alimenta da energia humana. Como qual e que
tipo de energia? Não sei! Ele não especificou.
Alguns místicos da passada, declararam que a terra, perante o Universo,
é um ser vivo. O que é a natureza senão a própria
terra?
Concluindo e ainda me mantendo num plano fictício, desconfio que esse
seu "algo monstruoso" bem que poderia ser o nosso próprio planeta.
Até Schopenhaver na sua Filosofia, explicou que, para a natureza, só
interessa a reprodução da espécie e não está
preocupada com ideais, anseios ou realizações humanas. Então...
- Irmão p. q. p! Você é um desmancha prazer. Se eu me utilizar
dessa tua argumentação... então... casseta!
O mérito não será meu!
- Calma frater! Fica frio, vá em frente! Termine o livro, também
porque, papel aceita qualquer cocô. Dentre milhões de cocôs
espalhados entre milhões de livros, o teu poderá se sobressair.
Chega de... parole, parole, parole.
Para voltarmos à realidade, nada como comer pizza.
- É mesmo! Afinal viemos aqui pra isso.
- E com tranqüilidade, fugitivos que somos dosgoteiras que são os
demais irmãos.