Caminhando por uma imaginação inaceitável,
vamos supor que um homem tendo nascido neste nosso país, só aqui
tendo vivido e adquirido “uma programação” ou condicionamento
igual ao exemplificado na parte um deste tema, na hipótese dele, por
algum acidente ter perdido os registros de sua memória, aquele seu “quem
e como é” poderia ser modificado. Esquecendo-se do próprio
nome, da existência da esposa e dos filhos, de seus pais, parentes e amigos,
profissão, religião e tudo o mais, e se numa outra hipótese,
por algum engano, ele fosse levado para outro país, lá teria que
continuar a viver a partir do seu estado vazio da memória. Começaria
tudo de novo. Primeiro por aprender o idioma, simultaneamente, talvez, com a
religião muçulmana do país. Se o regime do país
for ditatorial, é possível que venha a idolatrar o seu ditador.
Iria adorar a Maomé e não a Jesus. O alcorão seria o seu
livro sagrado. Seria tudo o que antes de perder a memória jamais gostaria
de ser.
É, não deveríamos nos regozijar pelo que
pensamos que somos. Poderíamos ser outra criatura bem diferente se a
“eventualidade” do nascimento nos tivesse nascido em outro ambiente,
em outro povo e em outro país. Tudo o que psicologicamente somos, o somos
apenas em parte do nosso próprio esforço. O restante, a maior
parte do nosso condicionamento psicológico, nosso modo de ser, nos veio
da herança genética até ao atavismo e, muito mais, do meio
ambiente em que vivemos, donde sugestões e influências são
muito fortes para suscitar um padrão de existência nivelador das
massas humanas. Então, “o homem é o que ele é não
porque o que ele é, só ele o é como quer”. Se despojássemos
um homem das influências de seu meio ambiente que muito nele e ele é,
pouco ou nada lhe restaria para ser com o que só consigo mesmo ele é
sem as influências que mais são o que ele é. Com tantos
estímulos sugestivos, influenciadores e ininterruptos desta época,
ao aceitarem e se identificarem com eles, muitos se transformam em “esponjas”
que sugam o que virá a constituir aquele “ele é o que é”
de cada um.
Nós somos “pedaços” da vida, entretanto,
entendemos como uma vida inteira o período de nossa curta existência.
Se “vida apenas é momentos no tempo”, só somos perceptivos
dela e dele quando ela está em nós vivendo nele. Antes de nascermos,
um tempo infinito já existiu. O mesmo existirá infinito depois
de morrermos. Vida e tempo independem da volição humana. Depois
de “sem saber, sem querer” e “eventualmente” nascermos,
a nossa vida e o “nosso tempo” só terão continuidade
até a nossa morte. Comparando-se ao infinito do cosmo e ao tempo infinito,
somos apenas quimeras. Apesar do avançado conhecimento tecnológico
e intelectual, não temos sabedoria para entender, se existe, o propósito
da nossa existência. Por isso, inventamos deuses por detrás de
tudo que não entendemos e criamos “missões” para a
nossa vida. Segundo o censo mundial, existem cerca de sete bilhões de
seres humanos no mundo e, conseqüentemente sete bilhões de missões
a serem cumpridas. Cada uma mais insignificante do que a outra. Por ainda não
termos a sabedoria por compreender “de verdade” tudo o que se relaciona
com a nossa vida, mais conveniente seria aceitarmos a condição
de sermos “eventuais” e nessa prática e humildade de existir,
não precisaríamos dos delírios que embotam a mente, e assim,
viveríamos mais livres e até felizes.