03/10/2016
A Rua da Pensão e a “venda” de antes do armazém

A Rua da Pensão e a “venda” de antes do armazém

Hoje a tarde foi um daqueles dias vazios com tudo parecendo sem significado. Uma melancolia do nada me apareceu e eu indo pra cá e pra lá não conseguia me livrar dela. Olhei pela janela do meu quarto para o quintal do vizinho e só vi o espaço vazio donde existia um pé de manga. Gostava de ficar olhando-o, principalmente pelos bonitos papagaios que nele pousavam e pelo ruído que faziam, pareciam estar em festa. Mas, por que o vizinho teve que cortar aquele pé de manga?  Nada tendo o que fazer, resolvi ouvir música pelo computador. Músicas que emocionam provocam lembranças e dessa vez não foi diferente. Logo me vi por dentro donde se encontra tudo o que me foi vivido. Desta vez “estou me vendo” no lugar onde nasci e vivi lá no Bairro da Fábrica, em Caieiras. Estou no Largo da Portaria Um de entrada da fábrica de papel da Indústria Melhoramentos.

Aqui bem no meio do Largo da Portaria tem um jardim e um pequeno lago artificial com peixinhos vermelhos. Retroagindo mais no tempo, aqui era a casa onde morava a família Marim e onde numa dependência da casa o Senhor Benjamim Marim possuía uma espécie de bar. Lembro de ter estado nesse bar com meu pai Alberto Olimpio quando eu ainda era garoto. Se me lembro havia até uns caixotes para se sentar enquanto se saboreava cachaça de alambique. Ainda não existia a portaria de entrada e o ingresso para o trabalho na indústria era livre e sem “marcar o ponto”. Também não havia portão por onde entravam e saiam os caminhões para transporte de papel.

Hoje, daquele lugar existem não muitas pessoas ainda vivas para confirmarem o que descrevo nestas lembranças. Então, continuando, com a construção da Portaria Um, a casa do Senhor Benjamim Marim foi demolida para a construção do jardim anteriormente citado. Do lado da portaria e em declive existiu a rua sem saída que era a Rua da Pensão, como era conhecida. Descendo por ela, a primeira casa à direita era a da Família Lisa, depois a da Família Mandri. Não me lembro de outros moradores, mas, mais para baixo morou o Zé Birilo que era casado com a Dona Rosa Lopes, irmã do muito conhecido Maquinaia (Orlando Lopes). Na última casa do lado direito morou o bem conhecido Arnaldo Gouveia e seus pais. Depois desta casa, finalizando as do lado direito da rua existiu a primeira escola do lugar, que, talvez nem tivesse tido nome. Depois a escola serviu para a sede e os ensaios da Banda Melhoramentos.

Do lado esquerdo da Rua da Pensão e perpendicular a ela existia uma ruazinha sem saída onde numa das esquinas ficava a casa donde morou a Família Valbuza. Também morou por ali uma senhora, viúva, se me lembro, mãe do conhecido Xisto e seu irmão José Petri Lima. O Senhor Armando Canhaci, pai da Nilza também morou naquela ruazinha. A esposa dele era costureira e uma vez me costurou uma calça de brim. Na outra esquina da ruazinha era o início do prédio da pensão que emprestava seu nome pra rua que vinha de lá da Portaria Um, como já “dito” e era a última construção do lado esquerdo. No fim dela existia uma escadaria que era o acesso para a Rua do Barbeiro que ficava acima. No início da escada, à direita ficava o portão de entrada da casa do Senhor Zeca Monteiro, o pai da Floriza. Se aqui cito nomes de pessoas é porque descendentes daquelas famílias do lugar vivendo agora em outros locais se lembram delas.

Tentando descrever o que é difícil para pessoas estranhas àquele local, mais o objetivo destas lembranças é para os que lá do extinto Bairro da Fábrica tiveram suas “raízes” de existência. Prosseguindo com a narrativa, a Rua da Pensão terminava num grande portão que parecia ser de uma entrada de automóvel, o que não era. Era da entrada onde logo após se situava a casa do Senhor Genésio Gerólamo, esposa, e seus filhos, Aluizio, Alcides e Alceu. Abaixo da casa ficava a “venda” que ainda vou descrever. Passando pela casa do Senhor Genésio, mais para frente ficava a casa donde morava o Senhor Constante Toigo, sua esposa Violinda Pim Toigo e o filho deles.

Passo agora a descrever sobre a “venda” de que poucos se lembram. Um pouco antes do portão de entrada da casa do Senhor Genésio, à direita e rente à parede da antiga construção que era da escola e depois passou a ser a sede da banda, havia uma longa escada cuja descida terminava num páteo todo cimentado. Parecia mesmo um enorme fosso quadrado cercado de ambos os lados por altas paredes. Nada se via dali a não serem as paredes que o ocultavam. Numa das paredes, aquela que ficava ao lado e abaixo da entrada da casa do Senhor Genésio, havia uma espécie de reentrância que servia de gol para, como eu tinha visto, alguns garotos chutarem bola contra um goleiro que lá ficava para a brincadeira que se chamava de “rebatida”.

Da escada, atravessando pelo páteo e assim caminhando por uns trinta metros, mais ou menos, lá estava à porta de entrada da “venda” que ficava por baixo da casa do Senhor Genésio. Ainda não era usual o nome de armazém. Só se tornou usual depois da “venda” ter sido substituída pela nova construção do prédio do “armazém”, em outro lugar de mais fácil acesso. Além do Senhor Genésio que era o “chefe” da venda, os “caixeiros”, se não me engano, lá eram os senhores Joaquim Sanchez, o Kique, o Pierim, o Elpídeo, Lazaro Roque (?) e a “caixa” para cobrança das compras era a Dalva Araujo que morava em Monjolinho. Às vezes era costume a meninada pedir para a Dalva carimbar suas mãos com o carimbo que ela usava para dar “baixa” nos recibos já pagos das compras efetuadas.

Lembrando, daquele páteo oculto de antes da entrada da venda, se ouvia ruídos provenientes das atividades da fábrica de papel. Ouviam-se ruídos estridentes do trenzinho (maquininha) “de carga” que por lá trafegava sobre os trilhos trazendo aparas ou rolos de celulose para a fabricação de vários tipos de papel. Estas lembranças são, mais ou menos, do ano de 1950, de quando eu ainda criança ia até aquela venda que se escondeu no passado para fazer compras de alimentos para a minha mãe.  Aquele local continua intacto em minha memória. Mas, será para sempre esquecido, desaparecido da mente depois que eu e as pessoas com a mesma idade da minha e daquele mesmo lugar tiverem partido daqui deste mundo para sempre. Como é inevitável, aquele local aqui descrito será como se nunca tivesse existido, como também, os que por lá existiram e até já são esquecidos.

                                                                                   Altino Olympio

De: Maria Egna Pomilio Enviado: domingo, dois de outubro de 2016

Que beleza Altino como você consegue memorizar coisas de um  passado tão distante, a riqueza de detalhes e como é impressionante! Voltei no tempo com você! Fui lendo e "revendo alguns lugares e pessoas" que você cita nessas suas lembranças.
O bar do Sr. Benjamim Marim, ele era meu tio não sei em que grau, lembro que meu pai as vezes me levava com
ele quando ia comprar cigarros, tinha um alemão muito amigo dele Sr. Paulo Schults (não sei se é assim que se escreve)
que também ia nesse bar e quando me via, me pegava no colo e falava para eu escolher o doce que eu quisesse e
quase sempre eu escolhia uma chupetinha vermelha que parecia um pirulito. Só acho que o bar ficava bem no começo
da descida da Rua Bairro Chic, logo abaixo da casa do Sr. Atílio Massimeli. Lembro também do tempo em que a gente
podia entrar na fábrica, era eu que levava o almoço para o meu pai e enquanto ele almoçava eu brincava nas enormes
bobinas de papel, entrando e saindo de dentro delas. Não tenho muitas lembranças da Rua da Pensão, mas lembro da
família Valbuza, que moravam na casa da frente e na do fundo morava a família Boscheto, a Reni o Zipo... Lembro da família Canhaci, a família Pereira que se não me engano era vizinha dos Canhaci, Dona Maria Pereira, seu filho Egisto, (não sei se o nome está certo). Lembro da Rua do Barbeiro, de quase todos os moradores, lembro do Sr.
Genésio, o Sr. Constante a Dona Violinda e muitas outras pessoas! O Armazém... Quantas coisas vivi ali! Os caixeiros que 
nos atendiam, eu gostava muito do Sr. Pierim (Pedro Ullmam). Uma vez minha mãe mandou eu comprar uma coisa e o
foi o Lazaro que me atendeu, eu falei o nome da compra errado ficou meio esquisito, o Lazaro caiu na risada e não 
conseguia parar, quase morri de vergonha, eu era bem criança ainda.  Ao lado do Armazém tinha a quitanda dos Sato,
muito simpático.  Mas tem muita coisa que você relata e eu não lembro, tenho inveja da sua memória privilegiada.
Você escreveu "Lembranças esquecidas", não Altino, enquanto tiver pessoas como você esse passado jamais será
esquecido. Hoje você alegrou meu dia com esse texto maravilhoso!

Um grande abraço
Egna

 

 


 
 



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