Campanha alerta sobre importância da prevenção do câncer de pênis
Doença provocou mais de 4 mil mortes em uma década no Brasil
Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) lança quinta-feira (1º) a Campanha de Prevenção e de Combate ao Câncer de Pênis, com o objetivo de conscientizar os brasileiros sobre a importância da prevenção. Segundo o Ministério da Saúde, no período de 2012 a novembro de 2022, foram registrados no país 21,766 mil casos de câncer de pênis. Houve 6,456 mil amputações do órgão genital masculino de 2013 a 2023, com média anual em torno de 600 amputações. De 2011 a 2021, a doença provocou mais de 4 mil mortes no Brasil.
A campanha, que está na quarta edição, marca a passagem do Dia Mundial de Combate ao Câncer, no domingo (4)
De acordo com o presidente da SBU, Luiz Otávio Torres, os dados mostram que mais da metade dos homens diagnosticados já estavam em fase avançada do câncer. Em entrevista à Agência Brasil, Torres disse que este é o único tipo de câncer que pode ser evitado com água e sabão. O médico enfatizou que o câncer de pênis, na maioria dos casos, pode ser evitado com higienização correta do pênis.
A maior incidência da doença é observada nas regiões Norte e Nordeste e está muito relacionada ao nível socioeconômico. “Sócio, porque a pessoa não tem o hábito de se higienizar. Isso está relacionado à parte social. Na parte econômica, também. Quem tem uma condição melhor, tem acesso a uma série de informações”, afirmou Torres.
Hospitais públicos
A SBU está buscando adesão de hospitais públicos à campanha em todo o país, para que ofereçam condições para realização de cirurgias gratuitas. Mutirões de urologistas das 24 seccionais da SBU farão a postectomia (retirada do prepúcio) nos casos em que este não expõe totalmente a glande, ou cabeça do pênis e, por extensão, não permite a higienização correta do pênis. É preciso conseguir local e material para fazer as cirurgias. "Estamos tentando fazer a campanha no maior número possível de seccionais da SBU. Temos 29 dias de fevereiro para tentar”, disse Torres.
Durante todo o mês de fevereiro, médicos da SBU esclarecerão dúvidas sobre a doença nas redes sociais da entidade no Instagram, Facebook e Tik Tok.
“Não se trata de sair fazendo postectomia em todo mundo", ressaltou o médico. Ele explicou que o procedimento é indicado quando o homem tem fimose verdadeira, isto é, quando puxa o prepúcio, a pele, e não expõe a glande. "Ele não consegue lavar. Quando ele tem o prepúcio, puxa e expõe a glande, não precisa tirar o prepúcio. É só lavar o pênis.”
Torres lembrou que, muitas vezes, a pessoa tem condição socioeconômica ruim e não lava o pênis. “Então, é melhor tirar o prepúcio porque a glande fica exposta. Mesmo que não lave, ele não está com o prepúcio segurando a sujeira lá dentro”. Em edições anteriores da campanha, médicos filiados à SBU chegaram a realizar mais de 200 postectomias por ano.
Sinais
Os sinais mais comuns do câncer de pênis são feridas que não cicatrizam; secreção com forte odor; espessamento ou mudança de cor na pele da glande. “Isso pode acabar evoluindo para um câncer. São lesões externas em que a coceira não passa”, disse o presidente da SBU. Quando já está em fase avançada, podem aparecer nódulos na virilha.
O tabagismo é um dos fatores de risco. “O que se sabe é que, na população tabagista, a incidência é maior do que entre os não fumantes”, explicou Torres. A maioria dos cânceres de pênis ocorre a partir dos 50 anos de idade. De acordo com o médico, isso não exclui casos mais raros, em homens de menos idade. A infecção pelo HPV (papilomavírus humano) é outra causa.
O presidente da SBU informou que a vacina contra o HPV está disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS) e deve ser tomada por meninas e meninos de 9 a 14 anos. “Além de água e sabão, a única coisa que pode prevenir [o câncer de pênis] é não fumar e, também, a vacina contra o HPV, que todos devem tomar na adolescência”. É recomendado também o uso de preservativo, para evitar contaminação por infecções sexualmente transmissíveis, como o HPV.
O Brasil é um dos três países com maior incidência e mortalidade por esse tipo de câncer Fica atrás apenas dos países da África Subsaariana. “Está relacionado ao hábito e à informação”, reforçou Torres.
Cura
Quando descoberta no início, a doença tem alta chance de cura. “Quando o diagnóstico é feito em fases iniciais, conseguimos tratar com a remoção somente da pele, evitando a retirada do pênis”, afirmou o médico Roni de Carvalho Fernandes, diretor da Escola Superior de Urologia.
De acordo com o Código Latino-Americano e Caribenho contra o Câncer, elaborado com apoio da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer da Organização Mundial da Saúde e da Organização Pan-Americana de Saúde, o câncer de pênis tem as maiores incidências do mundo em países da América Latina e Caribe.
Edição: Nádia Franco
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"Comecei a ir em clínicas médicas conveniadas para saber o que era aquilo, mas todos os médicos me falavam que era por conta de excesso de pele e me receitavam medicamentos", diz.
Apesar de se medicar, o aposentado notava que a verruga continuava a crescer.
Ele voltou a procurar especialistas, que passavam mais medicamentos e pediam novas biópsias – em que amostras do tecido de um órgão são retirados para análise.
"Era incrível, os exames não davam nada de grave, e os médicos voltavam a me receitar mais medicamentos. Nada resolvia."
Ele só descobriu o que tinha em 2023, quando foi atendido em um hospital público de São Paulo e encaminhado para o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), onde fez uma nova biópsia.
O resultado: câncer de pênis.
"Para todos em casa, foi uma surpresa muito desagradável, ainda mais porque que tive que amputar parte do pênis. Eu me sinto decapitado", diz João.
"É um tipo de câncer que você não pode falar para as pessoas, porque pode virar gozação."
Dez amputações por semana
Um levantamento da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), com base em estatísticas do Ministério da Saúde, mostra que o número de casos assim têm crescido no Brasil.
Entre 2013 e 2022, cerca de19,9 mil homens tiveram o diagnóstico de câncer de pênis, sendo que, desse total, 5,6 mil tiveram que ter o órgão amputado pela gravidade da doença. Uma média de pouco mais de dez amputações por semana.
Segundo a SBU, quase todos os casos de amputações de pênis que são registrados no país são por conta de câncer, sendo raro casos de amputações por outras causas, como acidentes.
Desde 2008, o número de amputações de pênis por câncer tem crescido no Brasil.
Foram 411 naquele ano, e houve 573 de janeiro a novembro do ano passado, quase 40% a mais.
"Infelizmente, por vergonha ou falta de acesso aos serviços de saúde, é muito comum o homem recorrer a tratamentos indicados por conhecidos ou aquelas 'pomadinhas' do balconista da farmácia", afirma Diogo Abreu, médico da seção de Urologia do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
"Isso atrasa o diagnóstico precoce e prejudica o resultado do tratamento."
A demora no diagnóstico aumenta as chances de ser necessário amputar o pênis, porque o passar do tempo sem o tratamento adequado aumenta a gravidade do quadro.
Isso também eleva as chances de morte pela doença – que é, em média, de 0,29 casos para cada 100.000 habitantes
No mundo, o Brasil é o terceiro país onde mais homens morrem de câncer de pênis.
Para se ter uma ideia, o levantamento global de mortes pela doença mais recente da SBU, feito em 2020, mostra o Brasil (539 mortes) atrás apenas de Índia (4.760 mortes) e China (1.565 mortes).
"A enorme deficiência em educação de qualidade no Brasil cria uma grande dificuldade de acesso à informação, incluindo sobre hábitos de higiene fundamentais para evitar a doença", disse Maurício Cordeiro, coordenador do Departamento de Uro-Oncologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
Questionado sobre a alta incidência de câncer de pênis, em relação a outros países do mundo, o Ministério da Saúde disse que trabalha com campanhas de conscientização sobre a doença.
A pasta também afirmou que a atual gestão retomou investimentos em políticas de saúde e de cuidado aos pacientes com câncer por meio do Plano de Expansão da Radioterapia.
"Na primeira etapa, foram previstas 92 soluções de radioterapia - que compreendem além da obra, os aceleradores lineares – com um investimento de R$ 575 milhões", disse o ministério.
"A segunda etapa, prevista no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), conta com um investimento total de R$ 605 milhões, sendo R$ 205 milhões para conclusão de obras da primeira fase e R$ 400 milhões para a viabilização de 40 novas soluções de radioterapia."
A pasta ressaltou ainda que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente tratamento integral aos pacientes com câncer (leia mais abaixo).
Como se prevenir
Regiões Norte e Nordeste concentram a maior incidência de câncer de pênis
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil ressaltam que diferente, de outros tipos de câncer, o de pênis é um dos que mais podem ser prevenidos.
Isso porque a doença tem relação direta com a pobreza e com a ausência de boas condições socioeconômicas.
"Enquanto se trata de doença rara em países ricos e desenvolvidos, o câncer de pênis apresenta uma incidência (casos novos) alta em países pobres", diz Abreu, do Inca.
No Brasil, estudos mostram que as regiões Norte e Nordeste, onde os índices de pobreza são mais altos, concentram a maior incidência da doença, enquanto o Sul, mais rico, tem índices quase semelhantes aos de países desenvolvidos, com poucos casos.
"Infelizmente, o Brasil ainda é um país com uma enorme deficiência em educação de qualidade, e isso cria uma grande dificuldade de acesso à informação, incluindo os hábitos de higiene", apontou Maurício Cordeiro, coordenador do Departamento de Uro-oncologia da SBU.
"A higiene correta ajuda a evitar o câncer de pênis, e o diagnóstico precoce da doença, que é essencial para o tratamento sem a necessidade de procedimentos mais radicais, como a amputação", completou.
Como exemplo, Marcus Vinicius Baptista Queiroz, professor de Urologia na Universidade Federal do Pará (UFPA) cita uma pesquisa feita por quatro universidades e centros de pesquisa do Brasil, publicada em 2018.
O estudo apontou o Maranhão - Estado mais pobre do Brasil - como lugar que concentra a maior quantidade proporcional de tumores de pênis no mundo: cerca 6,1 casos a cada 100 mil habitantes.
"Por isso a importância do homem ter acesso à orientação e à correção de fatores que podem levar a doença, como a fimose não tratada", diz Queiroz.
A fimose caracteriza-se pelo excesso de pele que recobre o pênis fazendo com que a cabeça, também conhecida como glande, não seja exposta.
É uma condição mais comum quando ainda se é bebê, mas pode se desenvolver também na fase adulta, provocada por um quadro de infecção ou traumatismo no local.
Em regra, homens que possuem fimose apresentam maior dificuldade de realizar a higiene do pênis por conta do prepúcio – excesso de pele.
Essa dificuldade de limpeza do pênis, visto que o órgão fica mais úmido e quente, favorece o surgimento de fungos que a longo prazo aumentam as chances de surgimento de câncer de pênis.
Sinais de atenção e tratamento
No Brasil, o câncer de pênis acomete principalmente, homens acima dos 50 anos.
"Qualquer ferimento no pênis que não cicatriza precisa ser avaliado por profissional de saúde e, de preferência, urologista", recomenda Diogo Abreu.
Entre os sinais de alerta, o médico do Inca cita:
- Alterações na cor do pênis;
- Espessamento da pele;
- Nódulos ou úlceras que não cicatrizam;
- Feridas com mau odor ou secreções.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que algumas atitudes simples podem ajudar na prevenção da doença.
A lavagem diária do pênis, com água e sabonete expondo a glande completamente, no caso de homens não circuncisados e, sempre, após o contato sexual ajudam a diminuir as chances de ter a doença, diz Abreu.
"Além disso, é importante parar de fumar, utilizar sempre o preservativo em qualquer tipo de contato sexual para prevenir o HPV e as outras infecções sexualmente transmissíveis", ressalta o médico.
Maurício Cordeiro, coordenador do Departamento de Uro-oncologia da SBU, também destaca a importância da vacinação contra o HPV (disponível no SUS para a população de 9 a 14 anos e imunossuprimidos até os 45 anos) como uma importante ferramenta de prevenção da doença.
"Atualmente, temos dois tipos de vacinas contra o HPV: a quadrilavente (HPV4), que é a disponibilizada pelo SUS e que cobre a maior parte dos tipos oncogênicos, os que predispõem ao câncer, e a nonavalente (HPV9), que dá cobertura para mais subtipos, já disponível na rede privada".
"Ambas são compostas por partículas do vírus preparadas pela técnica de DNA recombinante, que cria uma das proteínas que compõem o capsídeo do HPV. Essas partículas são capazes de induzir a formação de anticorpos neutralizantes em títulos altos, que são suficientes para proteger quem recebe a vacina", explicou Cordeiro.
Uma vez diagnosticado o câncer de pênis, o tratamento consiste na remoção da lesão ou a retirada total do órgão, assim como a remoção de gânglios (linfonodos) da pelve, virilha ou de dentro do abdômen, de acordo com o Ministério da Saúde.
Também podem ser recomendadas radioterapia e quimioterapia para reduzir o tumor ou em casos que não são considerados cirúrgicos.
Quando diagnosticado em estágio inicial, o câncer de pênis tem alta taxa de cura, ressaltou a pasta.
"Em fases iniciais, conseguimos tratar com a remoção somente da pele, evitando uma retirada do pênis", afirma Roni de Carvalho Fernandes, diretor da Escola Superior de Urologia.
No entanto, segundo o Ministério da Saúde, mais da metade dos pacientes demora até um ano após as primeiras lesões para buscar ajuda médica, o que pode provocar complicações da doença, permitindo que ela se espalhe para outras partes do corpo.
As principais dúvidas sobre câncer de pênis
Crédito, Getty Images
Legenda da foto,
Câncer de pênis representa 2% de todos os tipos de câncer que atingem homens
O câncer de pênis representa 2% de todos os tipos de câncer que atingem homens.
A pedido da BBC News Brasil, a médica urologista e diretora de Comunicação da Sociedade Brasileira de Urologia, Karin Anzolch, esclareceu as principais dúvidas de homens em relação as formas de prevenção do câncer de pênis.
Quantas vezes lavar o pênis por dia e qual o jeito certo?
Depende um pouco do local, se é quente ou frio, úmido ou seco, da idade, do tipo de atividade física, se é alguém que sua muito ou urina muitas vezes, se tem prepúcio ou não, se usa roupas pouco ventiladas e até se já teve infecções locais no passado.
Mas, geralmente, deve ser feita pelo menos uma vez ao dia uma lavagem completa com água e sabonete, puxando a pele do prepúcio para trás e removendo os resíduos de esmegma, que é uma secreção espessa e esbranquiçada produzida pelo pênis.
A água não deve ser muito quente e devem-se evitar substâncias abrasivas e sabonetes contra germes. Prefira sempre os neutros, como glicerina.
Além disso, os meninos devem ser ensinados desde cedo a fazer a limpeza forma correta para incorporar isso em seus hábitos.
Por que é importante deixar a área do pênis seca após o banho?
A umidade, associada ao calor do corpo ou do ambiente, aumenta a chance da proliferação de fungos e bactérias.
Após urinar, basta balançar o pênis?
Ao apenas sacudir ou espremer o pênis, gotas de urina acabam ficando, sobretudo nos homens que têm prepúcio, o que gera mau odor e aumenta o risco de contaminações, irritações e infecções.
O ideal é, após urinar, lavar ou secar com papel higiênico.
Na hora do sexo, o que fazer em relação à limpeza do pênis?
Além de usar preservativo, é importante realizar uma higiene adequada, removendo as secreções e eventuais resíduos de produtos químicos.
Sangue na urina é um indicativo de câncer de pênis?
A menos que o tumor esteja avançado, já invadindo uretra ou aparelho urinário, não é sintoma comum.
Mas isso sempre deve ser investigado, porque pode sinalizar outras doenças graves, como câncer de bexiga e rins.
O que mais pode causar câncer de pênis?
O câncer de pênis também está relacionado com o hábito do fumo, com a infecção pelo HIV e à presença de fimose, que dificulta a higiene e a remoção do esmegma, o que facilita a infecção por fungos e bactérias.
Entretanto, uma das principais causas também é a infecção pelo papilomavírus humano (HPV).
Dados do Cancer Research UK demonstram que cerca de 60% dos casos desse tipo de câncer estão relacionados à infecção por HPV.
*O nome do entrevistado foi alterado para proteger sua identidade.