Outra meta-análise sugeriu que a suplementação diária com ácidos graxos ômega-3 de origem marinha não reduz significativamente a taxa de doença cardíaca coronariana (DCC) fatal ou não fatal, ou quaisquer eventos vasculares maiores em indivíduos de alto risco.[1]
Após avaliar dados de 10 ensaios randomizados seguindo 77.917 participantes com DCC prévia ou acidente vascular cerebral, ou sob alto risco para doença cardiovascular (DCV), pesquisadores britânicos descobriram que a suplementação por pelo menos 12 meses não teve efeito significativo nas taxas de eventos relacionados a DCC (rate ratio, RR, de 0,96; P = 0,12), incluindo infarto do miocárdio (IM) não fatal (RR, 0,97; P = 0,40) ou morte por DAC (RR, 0,93; P = 0,05).
Os ácidos graxos ômega-3 também não foram significativamente associados a taxas de eventos vasculares maiores (RR, 0,97; P = 0,10), acidente vascular cerebral (RR, 1,03; P = 0,56), ou revascularizações (RR, 0,99; P = 0,61).
"Os resultados desses 10 estudos envolvendo 78 mil participantes tratados por quatro anos não fornecem embasamento para as diretrizes atuais da AHA de que os pacientes com DCC prévia devem usar omega-3 para prevenção de DCV", disse ao Medscape o autor sênior, Dr. Robert Clarke (University of Oxford, Reino Unido), por e-mail.
Em uma declaração científica atualizada no ano passado, a AHA disse que a suplementação com ômega-3 é sensata em pacientes com DCC ou insuficiência cardíaca (IC) prévia com fração de ejeção reduzida, mas não fez nenhuma recomendação para uso na prevenção primária devido à falta de dadosrandomizados. Por outro lado, as diretrizes europeias dizem que é discutível se os ácidos graxos ômega-3 exercem um efeito protetor, e que mais evidências são necessárias para justificar o uso, observem os autores.
O estudo, liderado pelo Dr. Theingi Aung (University of Oxford) para a Omega- 3 Treatment Trialists' Collaboration, foi publicado em 31 de janeiro no JAMA Cardiology.
Comentando para o Medscape, o Dr. Carl 'Chip' Lavie (Ochsner Heart and Vascular Institute, Nova Orleans, LA) disse que ainda é bastante sensato que os médicos recomendem ácidos graxos ômega-3 para proteção cardiovascular, e que ele o faria após IM e em pacientes com IC sistólica ou colesterol LDL ou triglicerídeos elevados.
"Este artigo dificilmente será uma sentença de morte, pois o ômega-3 é muito seguro e relativamente barato, e vários estudos mostraram pelo menos benefícios modestos ou mesmo bastante significativos", disse ele.
Dr. Lavie observou que muitos dos ensaios na meta-análise eram "muito pequenos, com pouco poder, dose muito baixa, ou muito curtos para mostrarquaisquer efeitos. Mesmo assim, quase todos os desfechos tiveram uma tendência para benefício, e os 7% de redução na morte por DAC foi de significado limítrofe, com um valor de P de 0,05".
Dada a segurança e o baixo custo dos ácidos graxos ômega-3, o Dr. Lavie argumenta que a evidência não precisa estar quase no mesmo nível de medicamentos e dispositivos caros e arriscados.
"O fato é que muitos dos nossos pacientes que se opõem a muitas terapias estão muito felizes em usar coisas como suplementos de ômega-3, e isso não deve ser ignorado", disse ele.
O Dr. Clarke destacou que a meta-análise atual é diferente das anteriores, uma vez que avaliou os efeitos dos ácidos graxos ômega-3 em subtipos pré-especificados de DCV e DCV em várias populações de pacientes.
"Os resultados não demonstraram efeitos benéficos do tratamento com ômega-3 na DCV, ou em qualquer subtipo de DCV, nem em qualquer DCV em qualquer subgrupo da população", disse ele.
Ainda assim, os autores escrevem que os ICs de 95% na análise "não podem excluir um risco 7% menor de eventos vasculares significativos e um risco 10% menor de DCC associado a suplementos de ômega-3".
A meta-análise incluiu vários estudos de alta qualidade, como ORIGIN, JELIS, GISSI-HF e GISSI-P – todos com pelo menos 500 participantes e uma duração média de um a 6,2 anos. Todos, exceto um estudo, usaram uma dose diária de ômega-3 de 226 a 1800 mg de ácido eicosapentaenóico (EPA) e 0 a 1700 mg de ácido docosa-hexanoico (DHA), com um estudo usando 1800 mg ao dia de EPA isolado.
Cerca de 23% dos participantes tinham DCC anterior, diabetes prévia, colesterol total de 193,1 mg/dl ou superior, ou triglicerídeos maiores que 150,4 mg/dl, e cerca de 15% relataram uso prévio de estatina. Clarke observou que dois grandes estudos em curso – VITAL nos Estados Unidos e ASCEND no Reino Unido – fornecerão evidências adicionais ainda este ano sobre os efeitos de 1 g de ácidos graxos ômega-3 ao dia em mais 40 mil pacientes.
"A maioria dos especialistas aguarda os resultados desses estudos antes de revisar as diretrizes. No entanto, diante dos resultados consistentemente nulos dos 10 ensaios anteriores, há poucas expectativas de que os resultados daqueles em curso sejam diferentes dos resultados da presente meta-análise", disse ele.
"Ainda se aconselha os pacientes a comer peixe pelo menos duas por semana, mas usar suplementos de óleo de peixe não tem efeitos benéficos".
A pesquisadora principal do VITAL, Dra. JoAnn Manson (Brigham and Women's Hospital, Harvard Medical School, Boston), disse em um e-mail: "Quando os efeitos de uma intervenção permanecem inconsistentes e inconclusivos, apesar de extensivo estudo, muitas vezes é porque os efeitos são modestos nas populações testadas".
No caso dos ácidos graxos ômega-3, os agentes foram estudados predominantemente na prevenção secundária e em populações de alto risco, muitas vezes em condições de uso concomitante de outros medicamentos, como ácido acetilsalicílico, estatinas, inibidores da ECA e beta-bloqueadores.
Além disso, muitos dos estudos foram de curta duração e testaram doses baixas, disse ela.
Uma questão-chave sem resposta é se os ácidos graxos ômega-3 marinhos reduzem o risco de IM, acidente vascular cerebral, mortalidade CV e outros eventos de DCV em um contexto de prevenção primária, entre aqueles com risco "usual" de DCV.
O VITAL, o primeiro estudo randomizado de grande escala para tal, está sendo realizado em 25.874 participantes selecionados apenas com base na idade (homens com idade igual ou superior a 50 anos e mulheres com idade igual ou superior a 55 anos), se não tinham DCV no início do estudo e não faziam uso de ácido acetilsalicílico ou estatinas (menos de 50% para cada um). A duração média do estudo é de cinco anos. Os resultados são esperados para o outono deste ano.
Outros estudos, como ASCEND, DO-HEALTH, STRENGTH e REDUCE-IT, também serão importantes adições para a base de evidências, disse a Dra. Joann.
"Enquanto aguardamos dados adicionais, continua a ser importante atender às diretrizes para a ingestão de peixe na dieta (ou fontes vegetais de ômega-3, se vegetarianos), que não só fornecerão esses nutrientes, mas também substituirão alimentos menos saudáveis na dieta", acrescentou ela.
Dr. Lavie expressou a preocupação de que os pacientes do VITAL possam ser muito saudáveis, de que os controles possam ter níveis decentes de ômega-3, e de que as taxas de eventos possam ser baixas. Ele destacou a necessidade de pesquisas adicionais com 2 g a 4 g ao dia de ômega-3 na DCV e na IC. Os estudos REDUZIR-IT e STRENGTH estão avaliando 4 g ao dia além das estatinas na hipertrigliceridemia, mas eles associam medicamentos prescritos.
Dr. Clarke não relatou conflitos de interesse relevantes. As declarações dos coautores estão listadas no artigo. Dr. Lavie relata ter trabalhado como porta-voz e consultor para DSM, Global Organization for EPA and DHA Omega-3S (GOED) e Amarin.
A visão da Harvard
Durante anos, muitos especularam que tomar suplementos de vitamina D e ômega-3 poderia ajudar a prevenir ataques cardíacos, derrames e
certos tipos de câncer. Mas um estudo realizado por pesquisadores de Harvard publicado online em 10 de novembro de 2018 pelo New England
Journal of Medicine descobriu que os benefícios podem ser mais limitados do que se esperava inicialmente.
Os resultados do ensaio Vitamina D e Ômega-3 (VITAL), que envolveu mais de 25 mil pessoas e durou mais de cinco anos, mostraram que,
embora os suplementos de ômega-3 parecessem reduzir o risco de ataque cardíaco, particularmente entre afro-americanos , eles não parecem
ser e capazes na prevenção de acidentes vasculares cerebrais ou câncer. Os suplementos de vitamina D também tiveram poucos benefícios
quando se tratou de prevenir ataques cardíacos, derrames ou câncer - mas eles foram associados a uma queda nas mortes por câncer em
pessoas que tomaram os suplementos por pelo menos um ano ou dois.
Os pesquisadores continuarão a acompanhar os participantes do estudo para coletar informações adicionais e divulgarão mais descobertas do
estudo ainda este ano.
Harvard Medical School