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31/03/2025
Vitamina D x esclerose múltipla precoce

Uma rara vitória

Vários estudos, analisando desde a doença de Alzheimer até a infecção pelo vírus zika, apontaram baixos níveis de vitamina D como um fator de risco de piores desfechos.

No entanto, quando chega o inevitável ensaio clínico randomizado sobre suplementação com vitamina D, vem a decepção. Virou até piada neste blogue — dados observacionais convincentes desmentidos pelo ensaio clínico randomizado definitivo.

Temos bons dados de que baixos níveis de vitamina D estão associados a diversos problemas, mas nenhuma prova de que corrigi-los faz diferença. O motivo é simples: correlação não é causalidade. A deficiência de vitamina D acompanha desfechos ruins, mas não os causa.

Na verdade, pacientes doentes por outras razões tendem a apresentar baixos níveis de vitamina D. Costumo mostrar esses estudos a estudantes de medicina para ilustrar por que ensaios clínicos randomizados são fontes mais fidedignas de evidências do que pesquisas observacionais.

Dito isto, a ciência exige revisão constante diante de novos dados. E agora há um ensaio clínico randomizado que, pela primeira vez, demonstrou benefício da suplementação com vitamina D em uma doença importante: a esclerose múltipla.

Pessoas com níveis mais baixos de vitamina D têm maior risco de esclerose múltipla e, dentre aquelas com a doença, os sinais e sintomas tendem a ser mais graves. Mas isso vale para quase todas as doenças, pois a deficiência de vitamina D reflete diversos fatores: mau estado geral, menor exposição ao sol, alimentação menos variada, entre outros. É um biomarcador de um estilo de vida saudável. Portanto, não surpreende que ensaios clínicos randomizados anteriores sobre suplementação com vitamina D na esclerose múltipla tenham sido frustrantes.

Mas um ensaio clínico pode ter resultado negativo por algumas razões diferentes. A mais comum? O tratamento simplesmente não funciona. Mas há outras possibilidades: talvez o tratamento tenha sido feito no momento errado, ou quando a doença já estava muito avançada. Ou talvez o ensaio clínico simplesmente não tenha recrutado um número suficiente de pessoas para detectar um efeito significativo.

Agora, um estudo de Eric Thouvenot e colaboradores, publicado no periódico JAMA, corrige algumas dessas limitações e sugere um novo papel para a vitamina D na esclerose múltipla. Vamos examinar em detalhes como foi feito.

Os pesquisadores recrutaram 316 participantes com “síndrome clínica isolada”, a apresentação mais precoce possível da esclerose múltipla (o primeiro episódio de um quadro semelhante, como a neurite óptica). Nem todas as pessoas evoluirão para esclerose múltipla franca, mas muitos sim. Portanto, a primeira particularidade deste ensaio clínico foi selecionar participantes ainda na fase prodrômica.

A segunda diferença em relação a estudos anteriores foi a dose de vitamina D. O grupo da intervenção recebeu 100 mil unidades internacionais de colecalciferol oral a cada duas semanas — uma dose alta. Para comparação, a vitamina D3 vendida em lojas é de mil unidades internacionais; aqui, a dose foi 100 vezes maior. Mesmo administrada com menor frequência, é uma quantidade significativa e não isenta de riscos. Doses supraterapêuticas podem aumentar os níveis de cálcio, causar nefrolitíase, náuseas, vômitos, confusão, entre outros. Mais adiante, falarei se isso ocorreu neste estudo.

Antes de tudo, vejamos os pacientes. Era um grupo bem jovem (lembre-se, os participantes foram recrutados ao apresentar o primeiro sinal ou sintoma sugestivo de esclerose múltipla), e a média de idade foi de 35 anos. Setenta por cento eram mulheres e 40% fumantes (o estudo foi feito na França, onde a prevalência do tabagismo é maior). Cerca de 20% tinham insuficiência grave de vitamina D, um nível inferior a 30 nmoL/L. O tempo médio até receber a vitamina D ou o placebo foi de cerca de 60 dias, a partir da manifestação inicial. Nesse período, 80% da já havia feito tratamento com corticoides em altas doses, um tratamento padrão.

Vale ressaltar que nenhum participante recebeu medicamentos modificadores da história natural da doença, como o interferon; critério de impedimento de participação no estudo. Ou seja, tratava-se de uma população jovem, recém-diagnosticada com esclerose múltipla precoce e, ao menos no início, sem um risco alto de progressão.

Agora, os resultados. O desfecho primário do estudo foi a “atividade da doença”, definida de duas maneiras: recidiva dos sinais e sintomas e surgimento/aumento de lesões novas na ressonância magnética. A esclerose múltipla tem alguns achados característicos nos exames de imagem cerebral, e os participantes foram acompanhados com ressonâncias aos 3, 12 e 24 meses.

E o que aconteceu? A atividade da doença aumentou em 74% dos pacientes no grupo do placebo, em comparação a 60% no grupo da vitamina D. Isso significa uma redução absoluta do risco de 14%, o que é bem impressionante.

Isso quer dizer que você precisaria tratar sete pacientes com esclerose múltipla precoce com vitamina D para salvar uma pessoa da progressão da doença. Um número nada ruim, especialmente para uma intervenção relativamente acessível.

A mediana do tempo até a progressão da doença também foi significativamente mais longa no grupo da vitamina D: 432 dias em comparação a 224 dias no grupo do placebo. Uma diferença de cerca de sete meses.

Até aqui, os resultados impressionam. Mas vale analisar os subgrupos para entender o que realmente acontece.

O primeiro ponto a destacar é o efeito da suplementação estratificado pelo nível de vitamina D no início do estudo. O que se observa é que os suplementos foram muito mais eficazes nos pacientes com insuficiência inicial da vitamina.

Isso não chega a ser surpreendente; é razoavelmente típico que as vitaminas tenham efeitos de limiar. Quando se atinge o alvo — no caso da vitamina D, algo em torno de 50 nmoL/L — ultrapassá-lo não oferece benefícios adicionais.

Outro achado significativo foi que a suplementação teve um impacto muito mais eficaz nas pessoas sem lesões medulares — em outras palavras, pacientes com uma apresentação inicial menos grave.

Reforçando a ideia de que a vitamina D pode ser mais eficaz em casos menos graves, observa-se um efeito maior entre os participantes que não receberam corticoide intravenoso no diagnóstico inicial. A ausência desse tratamento sugere uma apresentação mais branda da doença. Isso significa que a suplementação seja reservada apenas para pacientes com esclerose múltipla em estágio inicial e menos agressiva?

A resposta a essa pergunta depende principalmente dos riscos associados à suplementação em altas doses. Se for muito arriscado, é melhor restringir seu uso. Ou o contrário. Pode não ser tão eficaz em casos mais graves da doença, mas talvez não cause danos.

No estudo, parece bem segura. Apenas dois pacientes tiveram hipercalcemia durante o ensaio clínico, e ambos estavam no grupo do placebo. Ninguém teve hipercalcemia grave ou insuficiência renal. Contudo, pode ser um pouco cedo para avaliar o risco de nefrolitíase.

Ainda assim, é difícil encarar este ensaio clínico como algo além de uma poderosa e inesperada vitória da suplementação de vitamina D em altas doses na esclerose múltipla precoce. Quem estuda essa vitamina para outras doenças e acompanha a literatura, repleta de ensaios clínicos negativos, pode tirar algumas lições deste estudo. Se o objetivo é projetar um ensaio clínico randomizado positivo sobre a vitamina D, talvez começar a suplementação cedo e em altas doses seja uma boa ideia.

Isso funcionará para todas essas doenças, de Alzheimer até a infecção pelo vírus zika? Certamente não. Mas o primeiro passo para encontrar tratamentos eficazes é elaborar estudos adequados.

O Dr. Francis Perry Wilson é professor associado de medicina e saúde pública e diretor do Yale’s Clinical and Translational Research Accelerator. O seu trabalho de divulgação científica pode ser encontrado no Huffington Post, na NPR e aqui no Medscape. Ele posta como @fperrywilson e o seu livro How Medicine Works and When It Doesn’t já está disponível.

Este conteúdo foi traduzido do Medscape usando diversas ferramentas de edição, inclusive a inteligência artificial (IA), como parte do processo. Editores humanos revisaram este conteúdo antes da publicação.

 

 


MEDSCAPE

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