Por Daniel Youssef Bargieri, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, e Mellanie Fontes-Dutra, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
No dia 3 de abril, em coluna no jornal O Estado de S. Paulo, o biólogo Fernando Reinach comentou um estudo publicado como preprint (antes de revisão pelos pares) sobre segurança e potencial de estimular resposta imunológica pela CoronaVac, realizado no Chile.
Na ciência, diferentes interpretações do mesmo dado experimental são comuns e até desejáveis. O contraditório é uma das forças motrizes da ciência. Assim, respeitamos a opinião do colega biólogo, mas discordamos. Oferecemos aqui, ao leitor, uma outra interpretação do mesmo dado. Os resultados do estudo chileno são boa notícia para a CoronaVac.
O biólogo comentou que a CoronaVac induz baixa quantidade de anticorpos totais e neutralizantes para a proteína S do vírus, em comparação às vacinas de RNA (Pfizer e Moderna). Ao final do texto, ele minimiza a capacidade da CoronaVac em estimular resposta de células imunológicas específicas contra o vírus, e conclui que os resultados do estudo indicam a possibilidade de a vacina ser ineficaz contra as novas variantes do vírus.
É normal e esperado que vacinas baseadas em vírus inativados, como a CoronaVac, estimulem quantidades menores de anticorpos do que vacinas que não utilizam o vírus inteiro. São estratégias diferentes. As vacinas de RNA priorizam estimular uma resposta potente de anticorpos para a proteína S, e para isso usam na sua formulação apenas essa proteína do vírus para treinar o sistema imunológico. A CoronaVac, em contrapartida, busca estimular resposta imunológica contra todas as partes do vírus, e para isso troca potência por abrangência.
As vacinas de RNA ou de vetores virais (como a Covishield, vacina desenvolvida pela parceria entre a AstraZeneca com a Universidade de Oxford) buscam estimular altos níveis de anticorpos para a proteína S, pois esse é o ponto fraco do vírus. A desvantagem dessas vacinas é que elas ficam mais suscetíveis a perder potência quando alguma das mutações que ocorrem aleatoriamente no vírus acaba por modificar a proteína S de forma que comprometa esse reconhecimento por parte da resposta de anticorpos. Vacinas como a CoronaVac, por outro lado, apostam no fato de que anticorpos neutralizantes contra a proteína S não são a única arma do sistema imunológico. Assim, apesar de estimular níveis mais baixos de anticorpos, a CoronaVac busca gerar resposta imunológica para outras proteínas do vírus, incluindo a indução de células do sistema imunológico (os linfócitos).
Alguns estudos recentes sugerem que os linfócitos são importantes para conter o agravamento da doença. O dado mais importante do estudo chileno é exatamente a detecção da resposta de linfócitos induzidos pela CoronaVac em pessoas de todas as idades acima de 18 anos. Esse dado é uma ótima notícia, pois indica que a vacina é capaz de treinar o sistema imunológico para agir contra todas as partes do vírus, não apenas contra a proteína S, com a presença dos linfócitos para compor o arsenal da resposta contra a infecção viral. Desta maneira, a nossa conclusão é que provavelmente a CoronaVac é menos suscetível às mutações que o vírus faz na proteína S, e não mais suscetível como interpretado pelo colega.