Um grupo de cientistas liderado pela Universidade Harvard, de Boston (EUA), conseguiu pela primeira vez obter sucesso em um tipo de terapia genético para combater o HIV. Usando a mesma técnica para "desligar genes" que ganhou o Prêmio Nobel de Medicina em 2006, os pesquisadores conseguiram deter a infecção pelo vírus em um experimento com camundongos especiais.
A estratégia adotada pelos pesquisadores é aquela que usa a molécula de RNA (uma espécie de auxiliar do DNA) para impedir a célula de produzir determinadas proteínas, as moléculas que efetivamente colocam o organismo para funcionar. Chamada de RNAi (RNA de interferência) ela é hoje uma ferramenta de pesquisa fundamental e aos poucos vem ganhando mais perspectivas de aplicação médica.
O que o grupo de Harvard, liderado pela cientista indiana Premlata Shankar, fez foi fabricar moléculas de RNA que desligam dois genes do HIV e um gene de uma proteína humana dos linfócitos T, as células do sistema imunológico que o vírus ataca. Se o vírus não encontra essa proteína na parede da célula ele não consegue invadi-la para se multiplicar lá dentro.
A principal dificuldade para fazer a técnica funcionar contra a Aids, dizem os cientistas, foi achar um meio de levar o RNA até os linfócitos. Se fossem simplesmente injetadas soltas no sangue, essas moléculas iriam parar em qualquer lugar, depois se desintegrariam.
Mas Shankar e sua principal colaboradora, Priti Kumar, também de Harvard, criaram uma maneira de ligar a molécula de RNA a um anticorpo, uma proteína do sistema imunológico. O anticorpo usado pelos pesquisadores tem a habilidade de encontrar linfócitos no sangue, e "reboca" o RNA terapêutico até as células infectadas.
A nova técnica foi descrita em estudo na revista "Cell".
Além de conseguir usar a técnica inovadora com sucesso, os pesquisadores mostraram pela primeira vez que um animal criado artificialmente para a pesquisa contra o HIV é uma boa ferramenta de pesquisa.
Uma dificuldade para pesquisar Aids no laboratório é que nenhum outro animal além dos humanos contrai o HIV. Mesmo os macacos, mamíferos evolutivamente mais próximos do Homo sapiens, são imunes. Eles contraem apenas o SIV, a versão símia do vírus.
Para contornar esse problema, os pesquisadores usaram camundongos "humanizados", desenvolvidos pelo laboratório de Leonard Schultz, da Universidade de Massachusetts. O grupo injetou células-tronco de cordão umbilical humano na medula óssea dos roedores recém-nascidos.
Quando os animais cresciam, suas medulas passavam a produzir sangue com características humanas, e seus linfócitos se tornavam vulneráveis ao HIV. "Ninguém nunca havia demonstrado antes que a infecção por HIV pode ser detida in vivo, não apenas em culturas de células, mas também em modelos animais", afirmou Kumar. "Isso significa que pode ser que dê certo em humanos", disse.
Apesar do sucesso, Shankar emitiu palavras de cautela em um comunicado à imprensa. "Não digo que desenvolvemos a terapia do futuro, mas é um bom passo adiante", afirmou.
Até que a técnica possa ser testada em pessoas, porém, mais testes em animais precisam ser feitos, possivelmente também em macacos.
RNAi e anti-retrovirais
Se a RNAi se tornar disponível para uso humano, no entanto, não está claro se ela significará a cura da Aids. Mesmo que ela se torne apenas mais uma terapia anti-retroviral, ela pode trazer benefícios, porque nos camundongos, pelo menos, ela não foi tóxica.
"O problema número um com os regimes de drogas anti-retrovirais é a toxicidade", diz John Rossi, um dos pioneiros da técnica de RNAi. "E essa é uma estratégia que pode ser desenvolvida para aplicações clínicas em humanos." Ele afirma porém, que é possível que o ideal seja combinar a RNAi aos anti-retrovirais, já que o vírus é capaz de se esconder em outras células além dos linfócitos.