31/07/2009Passando pela Rua TitoDe repente a Melhoramentos sumiu e no local novos edifícios brotaram do chão. O consolo é que sobrou um quarteirão, ainda com as árvores centenárias. Como mágica o pensamento volta no tempo e apaga a mudança física do local. Volto aos idos da década de 1950 quando pela primeira vez conheci a fábrica da Agua Branca, até então achava que a Melhoramentos só existia em Caieiras. Muitos anos se passaram desde então, muitas vezes voltei lá, algumas dessas para longas conversas com um homem de cultura ímpar, o Dr. Mario. Outras para conversar com o Ploger a qualquer hora pois diziam que ele parecia morar lá, também com o Dr. Acacio, que existe desde sempre na empresa, advogado culto e sensível. A sala do Dr. Mario tinha uma peculariedade, um sinaleiro na porta, luz verde ele estava atendendo, luz vermelha era para não incomodar que o velho e sábio doutor estava repousando. Muito da história do País passou por essa fábrica de cultura, até dinheiro foi impresso e segundo os que lá trabalhavam podia-se ouvir passos de antigos funcionários já falecidos ecoando nos corredores. Certamente os irmãos Weiszflog ainda continuam no velho prédio cuidando de sua obra ou do que sobrou dela. Lembro que quando comecei a trabalhar em S.Paulo como ofice boy tinha um grande orgulho em mostrar quem fazia os cheques que circulavam, óbvio, a “Melhoramentos” e sempre que podia visitava a livraria no Lg.do Arouche, lá estava o Nelson Fernandes primo da minha Mãe, que me deixava folhear os preciosos e caros livros e até passar algumas horas entretido em leitura. Anos depois conheci o Paulino Saraiva e contei que cheguei a copiar um exemplar inteiro na mão para a escola, ele rindo confessou que também fez isso na mesma livraria e já era livreiro editor. Do pinheiro ao livro, uma realização Melhoramentos, quem não se lembra do jargão?. Em 1968 (em plena ditadura militar) quando do lançamento do Meu Pé de Laranja Lima, eu estudava na Fecap no Lgo.S.Francisco, tinha um primo que pertencia ao XI de Agosto e quando a cavalaria chegava, bolinhas de gude eram jogadas largo abaixo, não ficava um cavalo de pé. Em um desses confrontos, tentei me defender do cassetete tamanho família com o livro, o policial tirou-o da minha mão dizendo que seu filho precisava dele para um trabalho escolar, pensando ter sido salvo pelo Zé Mauro virei para correr, ainda hoje sinto a dor no ombro. Contei essa história para o José Mauro que encontrei casualmente na Editora (Rua Tito) ele riu muito e disse que iria escrever um manual para defesa contra cassetetes. Bom, se eu que nunca trabalhei na Melhoramentos, mas tive a felicidade de nascer e ser criado nela tenho muitas histórias, imaginem aqueles foram papeleiros melhoramentinos por mais de meio século e cuja família, como a minha, “aportou” na Cia com meu bisavô, lá se vão mais de cem anos. Agora, passando pela Rua Tito em frente a Melhoramentos, sinto que falta alguma coisa, a tristeza bate, não tenho mais nenhum conhecido lá, talvez as almas que se recusam a desertar sintam-se como eu, presas a uma tolice chamada passado.
edson navarro