Alguns estímulos exteriores sempre estão a desenterrar da memória fatos existidos no passado e lembrá-los não são todos que gostam, ainda mais, quando os considera desagradáveis. A preferência sempre é por fatos agradáveis, aqueles que rememorá-los provocam saudades. Aliás, o “tapar o sol com peneira” ronda sempre por entre os adoradores do belo e com isso, o feio não deve ter a sua vez. Quando o feio também faz parte das lembranças de alguém, este é considerado como negativo, retrógrado e pessimista. Entretanto, o feio e o belo são relativos, isto é, eles trocam de posições dependendo de quem os percebe e como, e, também da localização geográfica onde esses opostos se manifestam. Não saber disso é ter um viver muito restrito pensando que o feio e o belo são iguais ou os mesmos em todo o mundo como são num mesmo distrito. Depois desta consideração, um fato foi relembrado e ele pode ser feio ou belo conforme belo ou feio seja o discernimento de quem agora vai lê-lo. Voltemos então para a década de cinqüenta do século passado e para uma vila que existiu aqui em Caieiras. Como se sabe, quase todas as moradias dos funcionários da indústria local tinham como anexo um barracão para o abrigo de lenha que era utilizada no fogão, isso, antes da facilidade do fogão a gás. Com a vinda deste, o barracão passou a servir para outros propósitos. Para o caso em questão, servia também para reunir amigos vizinhos para um jogo de baralho. Nesses jogos, o dono da casa, chamado pela esposa, sempre tinha que interromper sua participação na eloqüente distração deixando os amigos se entreterem entre si na sua ausência até quando ele retornava de sua incumbência incomum para àquela hora. Dizem que segredos não se fazem ser por muito tempo. A esposa, boa mãe e com os filhos todos já criados sofria de insaciabilidade. Seria um distúrbio indesejável ou seria um atributo invejável? A mulher interrompia o jogo de baralho do marido para que ele atendesse a sua intensa necessidade fisiológica que ela não conseguia protelar para outro momento mais propício e característico para aquilo. Que feliz foi aquele homem, como foi amado. A esposa não era daquelas sempre cansadas e com dor de cabeça ou “hoje não estou muito boa”. Na ida ou volta do trabalho o feliz homem exibia seu andar descompassado, seu corpo arcado e enrugado, todos sendo vestígios daquele verdadeiro e intenso amor juramentado num altar e assim não com muita idade ele morreu. Um outro da mesma proximidade, também muito cedo morreu porque sua esposa também por amor não o deixava perder tempo na horta, intimava-o para o quarto e fechava a porta. Hoje quando se depara com homens que já beiram os sessenta, setenta ou oitenta anos e continuam saudáveis, coitados, “ta na cara” que nunca foram amados. Suas esposas, fracas de amor, por isso, permitiram que eles jogassem baralho, pescassem, assistissem novela, cuidassem da horta, pintassem suas casas e etc., essas coisas que os homens se envolvem para esquecerem da decepção e para se compensarem da ausência daquele amor que quando amor é mesmo amor faz com que o casal mais viva atracado seja de dia ou de noite, dia de semana, domingo ou feriado. A mulher quando muito ama quer sempre o marido na cama naquele muito engate que para ele logo vem o desgaste como ao homem da nossa história que jogando baralho isso tinha que esquecer para que conseguisse algo endurecer e quando voltasse a jogar o algo já esgotado tinha estado a amolecer.