O Bairro da Fábrica de Papel da Indústria Melhoramentos de São Paulo era um local com topografia bem acidentada. Apelando para a memória, vamos tentar mentalmente reconstruir como referência para esta nossa história a Portaria Um da fábrica, onde ainda não existia defronte a ela, a pracinha com um pequeno lago artificial no centro. Antes existiu a casa do senhor Benjamim Marin, cuja família era numerosa e onde também foi um bar bem rústico. Garotinho ainda e sentado num caixote de madeira, já tinha assistido meu pai, Alberto Olimpio e outros, tomarem seus copos de pinga. Naquele local existia a garagem para os automóveis da indústria. Naquela época, só ela os possuía quando só importados existiam e eles eram muito bem conservados, sempre limpos e brilhantes. Eram da marca Chevrolet, Dodge, Ford Farlaine, StudbaKer se, foram escritos corretamente. Seus motoristas eram os Senhores Clovis Rigolino, Donato de Freitas, Antonio Morais, Zé Chofer, Antonio Silveira (Peroba), depois, Rafael Nicola, Francisco Nicola (Paco) e Odair Miranda. Nenhum acidente automobilístico envolvendo aqueles motoristas ficou registrado na minha memória.
Saindo da portaria um, uma rua em declive bem acentuado tinha a sua direita umas casas emendadas umas nas outras e eram conhecidas como “as casas do escritório”. Um rapaz daquela época, o Paulo Romelli, de bicicleta, descia a toda velocidade por aquela rua esburacada sem usar os freios nas curvas, correndo o risco de ter um acidente fatal. Existia uma primeira “curva fechada” à esquerda e logo a seguir uma outra à direita para numa suave curva à esquerda, a rua ir terminando numa outra rua que, à esquerda, também em declive era bem próxima da ponte de madeira sobre o Rio Juquery que, depois dela a rua ou estradinha ia dar na Vila Pançute ou Vila da Ponte Seca que terminava no Bairro de Perus, já, da cidade de São Paulo. No fim da rua vinda da portaria um que, terminava, como descrevemos, próxima a ponte de madeira, à direita, ela, prosseguia para os locais chamados de Vila Pereira, Vila Nova e Vila Leão. A “descida do escritório”, como também era conhecida a rua que vinha da portaria um, ela deixou de existir e se tornou esquecida. Foi substituída por uma escadaria de cimento descendo rente às casas emendadas, ficando entre elas e um jardim gramado que terminava nas paredes do escritório e outras dependências da Indústria Melhoramentos.
Aquela rua ficou sendo apenas para pedestres, pois, uma nova foi construída por trás daquelas casas emendadas, “desapropriando” e diminuindo o tamanho de seus compridos quintais com suas hortas e seus “pés de frutas”. Também vinda da portaria um, depois de demolida a casa antiga onde morava a família Marin e onde também era o seu bar, a rua nova facilitou a construção do novo armazém, onde conjugada a ele, a quitanda do senhor Sato veio a existir também e depois, no mesmo local, no mesmo prédio, embora não na mesma fachada, veio a existir o açougue dos Molinaris. Do outro lado da rua, frondoso, caprichando na sombra que produzia nos dias quentes de sol, o velho “abacateiro do armazém” como era chamado, silente, “assistiu” o vai-e-vem de pessoas que sob ele passavam pelo egresso ou regresso do trabalho na fábrica de papel, bem como, suas idas ao armazém. Depois dele e do velho abacateiro, continuando em declive com uma leve curva à esquerda, a nova rua ou estradinha de chão batido, chegava numa bifurcação muito falada chamada de pau-de-amarrá-égua. À esquerda ficava a já citada ruazinha da ponte de madeira e à direita a mesma ruazinha que dava acesso às vilas que também já foram citadas. O pau-de-amarrá-égua eram grossas toras de madeira fincadas no chão, que, serviam de proteção para evitar que algum veículo descendo pela “rua do armazém” despencasse pela ribanceira dali, terminando por cair no rio.
Num sábado, entre o pau-de-amarrá-égua que ainda não existia e a ponte de madeira, aconteceu um “espetáculo” que envolveu a todos os moradores do Bairro da Fábrica. Vindo lá da portaria um e descendo pela ainda existente “rua do escritório” ou “rua das casas do escritório”, um automóvel desgovernado, talvez, com dois ocupantes, não dobrando à esquerda e nem à direita, indo direto, subiu e passou por cima de um pequeno barranco que era o início da ribanceira muito inclinada que terminava no rio, e lá, com as quatro rodas para cima, o carro ficou submerso. Não era “época das cheias” e o rio estava raso, evitando assim o deslocar do carro que ficou, com seu peso, preso ao fundo do rio. Seus ocupantes conseguiram saltar do carro em movimento antes de sua queda ao rio. Logo o lugar do “maior espetáculo da terra” foi invadido por muita gente. Desde toda a extensão da ponte de madeira até quase o início de onde iria existir o pau-de-amarrá-égua, muita gente ficou olhando para o precipício e comentando sobre o acidente. “Se abrirem as comportas do paredão, a correnteza das águas vão levar o carro embora” diziam alguns e de conversa em conversa aquele pessoal não se demovia do local.
Durante a semana seguinte, o local do acidente continuou sendo um ponto obrigatório para ser visitado pela maioria dos funcionários da fábrica de papel, inclusive com a ansiedade por saber como o automóvel iria ser retirado das águas do rio. Aquela caipirada (excluindo os Olimpios) naquela semana não falava de outra coisa. Alguém disse que antes da queda ao rio, um dos ocupantes do carro teve tempo de se lembrar e de pegar uma camisa que havia comprado e tê-la salvo também, isso, durante o tempo longo e tão lerdo de cinco segundos ou mais, que, demorou e antecedeu a queda do veículo. Mama mia! Cada história que foi contada. Com um “alto-falante”, o automóvel estava transportando indivíduos que, estavam fazendo campanha política para o candidato Hugo Borghi, aquele que distribuía entre o povo, muitas marmitas com o seu nome incrustado nelas. O espetáculo terminou quando com muita dificuldade e diante de uma boa platéia, o carro foi guinchado do rio, se foi assim, terminando por ser puxado por um trator da Indústria Melhoramentos. A vida no Bairro da Fábrica da “antiga Caieiras” voltou à sua normalidade tranqüila do lugar, com poucas atrações para distrair as atenções das pessoas daquele pequeno mundo onde para distrações, só existia o Clube Recreativo Melhoramentos com suas atividades diárias de jogos de baralho, bocha, ping-pong e snooker. Bailes bons aos sábados, a cada três meses e às vezes um era cancelado devido à morte de alguém do local. Aos domingos jogos de futebol na parte da manhã e na parte da tarde. Além disso, a falta de acontecimentos diferentes reinava quase absoluta. Era bom porque, as pessoas do lugar se relacionavam mais entre si e as amizades foram os maiores valores daquela época.