Existiu um paraíso (terceira parte)
Novamente rebuscando na memória aqueles tempos de criança, as imagens ressurgem inalteradas como se fosse um filme da nostalgia. As paredes daquela sala de casa artisticamente pintadas pelos pintores da indústria melhoramentos pareciam ser uma obra de arte. Não se chamava sala de visitas, pois seus móveis eram característicos para sala de jantar. Não havia aquelas poltronas confortáveis para se sentar e relaxar. O piso vermelho brilhava, encerado que era com a cera da marca parquetina. Para não deixar pegadas pelo chão donde mais se pisava se utilizava aqueles tapetes chamados de passadeiras.
Aquele móvel envidraçado que ficava na sala tinha o nome de cristaleira. Nela eram guardadas as louças que eram utilizadas para os almoços da sala de jantar (risos). Em cima da cristaleira e dependurados na parede atrás dela, havia fotografias de entes queridos daqueles que já tinham partido deste mundo, como, das avós e das bisavós. Até parecia que eles ficavam olhando e vigiando quem estivesse na sala.
Nos quartos da casa, simples como eles eram, nas noites frias de inverno, o esquentar de quem dormia eram preparados pelos calorosos cobertores de feltro. Os mesmos que eram utilizados nas máquinas de fabricar papel da Indústria Melhoramentos. E nas noites antes de adormecer as orações eram as imaginações que eu tinha de trocar carícias com as meninas de quem eu gostava. Sempre me lembrava da Mariliza que era minha vizinha e que era irmã do Tetê e do Dudu e filha da Dona Olivia e do Senhor Nelson Turini que se mudaram de lá e nunca mais os vi.
Eu gostava de outras meninas também. Aquelas da minha classe da escola. Elas eram um fascínio para mim. No quarto, na calada da noite antes de adormecer, com uma de cada vez no pensamento eu namorava com todas elas. Era um segredo inviolável. Às vezes me lembrava que sonhava com algumas delas quando de manhã eu acordava todo “mijado” e o colchão da cama ainda era de palha de milho (risos). Depois era preciso colocá-lo sob o sol para ele secar. E aquelas meninas... Não me casei com nenhuma delas porque não se podia casar com todas. Conforme li “a felicidade de um homem casado depende das mulheres com as quais não se casou” (risos). Quando ainda não havia chuveiro elétrico o banho de bacia com água quente era gostoso até quando a água ia se esfriando. Por que será que nas noites de agora não vejo mais os vaga-lumes? Mas, existem muitos incrédulos que não acreditam em paraíso. Se tivessem vivido onde eu vivi...
Altino Olympio
https://www.youtube.com/watch?v=01u7I02KqmY