Foi num dia de semana, desses que quem não tem o que fazer procura como se satisfazer. Eu e os dois primos, Bitchin e Valdir Botoni fomos com as nossas presenças enfeitar o Brasil Futebol Clube lá no Bairro do Monjolinho. Não me lembro se naquele dia houve algum evento por lá. Talvez não, porque, mais ficamos na sala de jogos e isso quer dizer que por lá, as mocinhas das nossas simpatias não estavam. Mocinhas! Naqueles tempos, parece que só se pensava nisso. Se bem que, ainda hoje pensar em mocinhas é bem melhor. Já há algum tempo jogando snooker naquele local, nós três, talvez, decepcionados com nossa falta de sorte pela “viagem não ter dado certo”, quase não vimos o tempo passar, se é que alguém vê. Num dado momento, aproveitando-se de uma distração do Valdir, o Bitchin me fez uma proposta irrecusável. “Viu, meu primo é meio cu doce mesmo e já que vamos embora a pé, que tal comprarmos uma garrafa de pinga para só ele beber e nós dois só fingiremos beber para só ele ficar bêbado?” Achei a idéia genial e assim, pouco antes da meia-noite, deixamos aquele clube e pela escuridão da subida da torre, conforme era conhecida àquela estrada de chão batido entre os eucaliptos e pinhos da Indústria Melhoramentos, iniciamos os nossos retornos para o Bairro da Fábrica.
Entre brincadeiras e gargalhadas, a garrafa de pinga passava de mãos em mãos e eu cumprindo a minha parte no acordo, fingindo beber também, não engoli uma gota sequer daquele precioso líquido e pensando que o Bitchin também não. Se me lembro, o trajeto devia consumir cerca de uma hora caminhando-se normalmente, mas, demorou mais por causa das brincadeiras e algumas paradas para algumas piadas de um sobre o outro naquele “vocês não são de nada mesmo, só eu é que estou bebendo”.E naquela algazarra, quase sem nos darmos conta, chegamos ao Bairro da Fábrica no local onde deveríamos nos despedir. Paramos ao lado de um poste no início da subida da Vila Nova é só então na claridade tive a certeza que alguém havia quebrado o acordo. Falei para o Valdir “escuta, teu primo parece que não está bem. Seria melhor...” E ele me interrompendo foi dizendo “vocês dois são veados, vão toma naquele lugar que eu vou pra casa”.Deixou-nos e eu, disse para o Bitchin, “fique aqui, sente-se aqui na base do poste que eu vou ver se o teu primo está indo bem, porque, se ele estiver mesmo de fogo, pode-lhe acontecer alguma coisa e ele indo agora sozinho para a Vila Leão, é até capaz de cair no rio”.Olhei pela rua deserta e fracamente iluminada por onde o Valdir se dirigiu, mas eu não o vi. Talvez, pensei, já tendo passado defronte de minha casa e estando agora próximo ou depois da Vila “Ilha das Cobras”, esteja indo bem.
Retornei para junto do Bitchin, inclusive para admoestá-lo pela sua quebra do acordo, pois, percebi, foi quem mais bebeu. Mas, ele já não me escutava. Dei-lhe um tapa na cara para reabilitá-lo, e nada. Naquele silêncio e naquele não se sabe o que fazer, ele abriu a boca e como estava sentado sob a lâmpada do poste, despejou por entre as pernas o que lhe estava no estômago. Claro, estava sem mira, porque, a calça do seu terno, recebeu aquele batismo nas regiões dos joelhos. “Ele é bem magro e será fácil carregá-lo para casa” pensei. Mas, qual o que, estava pesado como chumbo. Ao tentar removê-lo, só consegui demovê-lo da posição de sentado para a posição de deitado e assim ele ficou estirado no chão, tendo-me ao lado sem forças para novamente sentá-lo ou levantá-lo.
Que fazer? Nenhuma alma por ali para me ajudar. Não devia ir chamar alguém de sua família porque, se a mãe dele o vir assim, ela irá se assustar. Que sofrimento! Por falar nisso, eu sofri tanto na vida que se alguém soubesse iria me compreender melhor. Naquele momento, eu me lembrei do Sr. Cambuquira, sendo ele um especialista etílico e tio do Sr. Edson Navarro, ele sempre dava bons conselhos para se evitar exageros com as bebidas. Nessa lembrança, ocorreu-me à idéia de ir pedir ajuda ao Máximo Pastro, pois, ele era muito forte e até sozinho poderia carregar o meu amigo e levá-lo embora daquele lugar. Deixei-o então e me dirigi à casa do Máximo, que era perto e na Vila Nova onde, ele era vizinho do Bicthin. Passei pelo portão, naquele cheiro da árvore “Dama da Noite” que exalava por ali e na área de entrada da casa, interrompi o silêncio da madrugada dando algumas batidas na porta. Bati novamente e a voz da mãe do Máximo se fez ouvir: “Quem é?” Dizendo meu nome acrescentei “eu preciso falar com o Máximo”. “O que? Mas isso é hora de você bater na porta?” Resmungou ela enquanto a abriu e junto a ela já estava o filho que mais me pareceu ser uma zebra. Estava ele com um pijama listado e eu até então, não tivera a felicidade de possuir um. Expliquei-lhes o meu problema e o Máximo como estava trajado e calçando chinelos, acompanhou-me para irmos buscar o amigo que estava alheio a qualquer preocupação com a vida.
Da esquina da primeira casa daquela vila e onde morava o Sr. Hilário e a Sra. Bruna Carezatto, já se avistava pela rua em declive, o poste onde ao lado dele deveríamos ver quem iríamos atender. “Cadê ele, não está lá” perguntou o Máximo. “É mesmo, será que...” fui tentando responder, mas, ao darmos mais uns passos... “Está lá sim, quase não dá para ver porque...” e foi quando o Máximo caiu na gargalhada provocando também a minha. Nós não conseguimos carregar o rapaz de tão pesado que ele estava. Entre nós dois e com cada um dos braços apoiados ao redor dos nossos pescoços, não conseguimos evitar que seus pés se arrastassem pelo chão, como querendo provocar duas riscas no solo com os bicos dos sapatos que, ao se esfolarem, trepidavam sonoramente entre as pedras soltas da rua. No que faltava para terminar aquela noite, o Bitchin sem saber, dormiu na casa e no mesmo quarto com o Máximo. Com o sol já bem adiantado pelo seu trajeto pelo céu, fui saber se o acontecido terminou bem. Fui informado que o rapaz já restabelecido já tinha ido para sua casa e para lá fui também para esclarecer algum “mal entendido”.
Bem entendido, foi uma tremenda “enrabada” que o pai dele me deu. Pegou “pesado” comigo e não permitiu que eu me explicasse. Tentei dizer “eu não podia trazê-lo para esta casa porque, sua esposa poderia se impressionar com a situação dele e...” E ele interrompia “nada disso, quando você sai com um amigo, você tem que levá-lo para casa e não para a casa dos outros. Todo mundo lá na fabricação de papel está sabendo dessa humilhação. Você não é amigo”. Pois é! Nem sinal do Valdir. Nenhuma solidariedade dele. Agüentei a enrabada sozinho. Sendo o mais velho dos três, o Valdir devia, pelo menos, demonstrar alguma preocupação, alguma responsabilidade e que nada, para ele foi como se nada tivesse acontecido. Isso deu a perceber o quanto eu já sofri nesta vida. Tendo partido precocemente desta para uma melhor, o Bitchin foi um dos meus melhores amigos e aqui brincando com as verdades, eu fiz esta homenagem a ele. O Valdir, não sei se ainda é meio doce como disse o seu primo, ele continua pela região, acredito, em Mairiporã.