14/02/2014
O Baú da vida

O Baú da vida e da felicidade.
Muitas mulheres  nas décadas de 60 e 70 acreditaram na chance de concretizar  muitos  de seus sonhos de consumo. Ou pelo menos alguns deles. Tudo porque surgiu, na mesma época, o famoso “Carnê do Baú da Felicidade”. Aquele criado pelo empresário e apresentador de TV, Sílvio Santos. Vendido de porta em porta e com pagamentos mensais, o carnê  prometia, a todas as sonhadoras senhoras,  a oportunidade de se ganhar casas, carros, viagens e muitos, muitos prêmios. Semanalmente durante o programa de televisão, um sorteio entre montanhas de cupons fazia a audiência  do canal  aumentar, da mesma forma que  fazia aumentar a ilusão das humildes donas de casa e entre elas as caieirenses é lógico. E foi  o que  presenciei  bem de perto. Por  anos a fio vi minha Madrinha ( Dona Cida Sant’Anna), uma simples e trabalhadora mulher, separar os regados tostões ganhos com  seu trabalho desgastante  de lavadeira de roupas. Pagava religiosamente as mensalidades  e assistia também, religiosamente,  o programa dominical na esperança pura de ser a próxima sorteada. Nunca foi. Assim como ninguém  que conhecíamos. Mas não desistia. Com as mãos cruzadas em oração pedia em silêncio que, o cupom do seu carnê saísse daquela montanha gigantesca e fosse para as mãos do apresentador. Queria ganhar algo. E nem se importava com o prêmio. O terceiro, o quarto ou quinto lugar  seria abençoado pois, resolveria seus problemas financeiros imediatos. Nunca foi premiada. Mas continuava fiel ao carnê, afinal no término das doze parcelas pagas, como compensação, poderia  retirar seu prêmio de consolação: Ir a uma das Lojas do Baú e retirar o que quisesse em mercadorias de uso doméstico. E assim como dizia ela, pagar aquela mensalidade era o mesmo que fazer  uma poupança bancária. Só que sem juros e  sem correção, obviamente. Fui muitas vezes com ela retirar o seu prêmio “de conformação”. No Bairro da Lapa- SP havia muitas Lojas do Baú.  Porém, escolher o prêmio era sempre um drama. O valor pago nunca era suficiente para levar  qualquer mercadoria  à venda  já que, “estranhamente”, tudo  era sempre mais caro que em qualquer outro lugar. Mas, só nas Lojas do Baú é que se obteria   “ o dinheiro de volta”.
Minha madrinha  escolhia então, a dedo, sua mercadoria, porque no final teria que completar o valor.  Comprava panelas, roupas de cama e mesa, talheres, facas e o que fosse possível dentro do orçamento dela. Inúmeras vezes ela observou que, talvez  dois carnês fosse  o ideal. Mas porque se tudo aqui sempre é mais caro? Mas ela insistia que aquilo era bom e que era  uma poupança. Sem juros, sem correção, mas,  uma  poupança.
Numa última vez que  me lembro, ela, sozinha trouxe da Lapa uma escada doméstica de 5 degraus. Feliz!  Nunca mais precisaria emprestar da nossa vizinha Maria Luiza (mulher do Faísca). Chegou naquele dia  quase morta de tanto  cansaço, sem fôlego e com dores por todo o corpo. Também pudera! Da Lapa até  Caieiras, de trem, a pé pelas ruas carregando uma escada! Mas, chegou feliz pela grande aquisição proveniente  de  sua poupança  no Baú da Felicidade. Coitada! Quanta ilusão naqueles tempos de dificuldades.
Algum anos depois para minha tranquilidade ela desistiu de poupar comprando os Carnês do Baú. Pensei... Finalmente ela entendeu  o jogo.  Que nada! Continuou acreditando na sorte prometida e nunca  acontecida. Passou  em seguida  a  comprar a Tele Sena do Baú e a história recomeçou. Ignorei. Não mais contestei afinal, no baú da vida também colecionamos ilusões, sonhos e desejos que nem sempre  se realizam. Nem por isso desistimos. Ela era persistente e preferiu manter a sua esperança de realizar alguns de seus sonhos e continuou   acreditando neste tal  Baú da Felicidade. Acho que assim ela pode ser um pouco mais feliz.
Fatima Chiati



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