As pessoas insistem em saber os motivos que me levam a escrever tanto sobre o passado. Em crônica já publicada (Fazendo as pazes com o passado) já expliquei sobre esta minha preferência literária. Mas vou repetir.
Sempre fugi do passado. Especificamente do meu. Recusava-me a falar ou recordar-me dele. Mas há 3 anos atrás, após acontecimentos dolorosos, ele parece ter renascido em mim. Em prosa e verso passei a reviver e resgatar lembranças escondidas num escuro e misterioso cômodo do meu subconsciente. Sofri é claro, mas me harmonizei com ele. E hoje, lembrar o que passou já não me apavora ou me intimida como antes. Convivo com lembranças numa paz indescritível. Olho com carinho e orgulho para tudo que se tornou a base do que sou hoje. Consulto constantemente episódios quase apagados e consigo assim, decifrar os questionamentos dos meu dias atuais. Aprendo, me reconheço e me entendo com o que ficou lá atrás e se, num primeiro instante me apavoro, logo em seguida enxergo o poder que tudo aquilo ainda exerce sobre mim, tanto negativamente como positivamente.
Quando nascemos, trazemos conosco um livro em branco, cujas páginas serão registradas com experiências, vivências, alegrias, tristezas e momentos únicos. Um livro que só a nós pertence, e que nos acompanha enquanto habitarmos este planeta misterioso e lindo. Não se consegue pular capítulos, nem arrancar páginas e muito menos apagar registros. As marcas do que vivemos estão ali, para sempre...Indeléveis. E ao morrermos se transformarão também em recordações para aqueles que, verdadeiramente nos amam.
Por isso já não hostilizo o meu passado, nem o repudio como um mal indesejável. Gosto dele, viajo por ele constantemente e revivo acontecimentos que me fizeram feliz. Recordo com entusiasmo experiências gratificantes e me emociono, lembrando cada situação que ficou lá, num tempo onde já não posso mais intervir. Assim como descreveu Marcel Proust em sua obra mais famosa, ”Em busca do tempo perdido”, tento eu fazer das minhas reminiscências, uma possibilidade, uma ilusão e uma fantasia para um presente mais agradável e mais sublime. Proust achava que recordar era o mesmo que eternizar o tempo que, fatalmente passa e acaba. Eu vou além, recordo-me do passado para também me autoconhecer.
Descobri assim que, ter saudades não é tão ruim, nem fere e nem mata desde que, passemos a olhar tudo com gratidão e com amor. Descobri que certas recordações podem até me fazer crescer e podem me levar a corrigir defeitos até então imperceptíveis. Descobri que dá para transformar a nostalgia em companhia nos momentos de solidão e que alegrias antigas podem ser revividas com muita intensidade . Finalmente, descobri que, falar do passado nos leva a reconhecer a força que nos mantém em pé, mesmo diante das maiores adversidades. Hoje eu me orgulho do minha história, pois nela também existiram pessoas especiais e lindas que, só tornaram minha vida mais doce e mais humana. Relembrando, aprimoro meus sentimentos de amor, perdão e generosidade. E através desta sintonia de épocas também consigo lapidar minha alma para que ela não se torne um poço de amarguras e revoltas.
Experimentei traumas, sofrimentos, perdas, decepções e sonhos desmanchados. Chorei, ri, amei, mas tive também muitas alegrias, ilusões e ganhos. Ganhei amigos, amores e dores. Acima de tudo, vivi.
Falar do passado então, não é “falta de assunto”. Falar do passado é reler com encanto este livro da vida e folhear carinhosamente todas as suas páginas, magnificamente decoradas pelas mãos do Criador.
Fatima Chiati