Ela ficava lá... No alto do barranco, no final da rua em que morávamos. Pequena, cercada de pinheiros, eucaliptos e forrada por uma extensa vegetação rústica. Ficava lá, sozinha, naquele pedestal que a natureza, timidamente, decidiu criar. Enfeitava, vigiava e protegia a humilde e pacata vida daquele vilarejo em Caieiras juntamente com o seu padroeiro, o Sagrado Coração de Jesus.
Ah! Capelinha da Vila Leão! De cravo, de rosas e de tanta devoção. Simples, idílica, poética, mística e esplendorosa. Quantas lembranças doces! Tão doces que a inspiração em escrever saltou de meu coração , depois das agradáveis conversas com Ângela Bertollo e seu irmão João Bertollo ( o Kica). Com a ajuda deles revi algumas cenas extremamente encantadoras daquele espaço tão abençoado e tão cheio de boas energias.
Segundo eles, na década de 60, sobre o gramado verdejante da igrejinha, moradores adultos e crianças se reuniam, todas as quintas feiras, para um evento magistral, nada identificável com as atividades religiosas. Disseram que uma espécie de “telão” era ali improvisado, com um tecido pendurado sobre a cerca lateral onde, a céu aberto, eram exibidos alguns filmes da época: “Os Reis do Riso” e o “Gordo e o Magro”.
Mas é lógico que as missas também aconteciam. Todas as terças feiras, quando o Padre José César de Oliveira, aparecia para a celebração e o Kica, como coroinha , ajudava- o no que era possível, inclusive nas vestes de sua batina, trocada num cantinho do altar.
Sem missas, a Capelinha permanecia fechada, vazia, introspectiva e intocável no topo do morro, majestosamente, delineado pela natureza. Abria-se, vez ou outra, quando irmãs Meneghini lá iam para a limpeza e colocação de flores no altar. Neste exato momento é que eu entrava em cena... Para brincar e correr sobre aquela relva rodeada de eucaliptos e flores do campo ou para ficar à sombra , no vestíbulo feito com troncos de árvores e piso de cimento queimado.
No entanto, o que jamais esqueci , foi daquela visão cinematográfica ao se abrir a porta. Pombos e pássaros saíam em revoadas, como nos filmes de Hitchcock e voavam assustados, dando trombadas pelas paredes e vigas de madeira.
Deslumbrante, porém, era ver aquele restinho de sol entrando pelas estreitas trincas e frestas das telhas de cerâmica, despedindo-se de mais um dia que partia. Que coisa mais linda! Nostálgicos finais de tarde ! Ainda mais encantadores com a visão sagrada, da imagem de Jesus, banhada por aquele esfuziante facho de luz e de sol poente.
Procissões saíam da Capelinha. Andores, como o de Nossa Senhora de Fatima , enfeitados de tule branco e cetim azul, eram carregados pelos moradores e transitavam por todas as ruas locais. Prosseguiam até a Vila Ilha das Cobras, e de lá retornavam. Festas e quermesses finalizavam o evento no campinho, próximo à Capela, com inúmeras barracas, doces, quentão, pipoca e sorteios que divertiam os participantes desta ocasião , cuidadosamente, organizada pelos melhoramentinos.
Se o objetivo daquilo tudo era lazer, certamente ele se cumpria. E ia muito além pois, com ele, concretizava-se um compromisso de fé, de espiritualidade, de fraternidade e de amor entre afetuosos moradores. Um compromisso extremamente cordial, que foi determinante e imensamente necessário para fortalecer nossas esperanças, amizade e união por décadas de convívio num lugar tão maravilhoso...Guardião de nossas melhores recordações.