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03/03/2014
Reencontro com o passado

As pessoas insistem em saber os motivos que me levam a escrever tanto sobre o passado. Em crônica já publicada (Fazendo as pazes com o passado) já expliquei  sobre esta  minha preferência literária. Mas vou repetir.
Sempre fugi do passado. Especificamente do meu. Recusava-me  a falar ou recordar-me dele. Mas há 3 anos atrás, após  acontecimentos dolorosos, ele parece ter renascido em mim. Em prosa e verso passei a reviver e resgatar  lembranças escondidas num escuro e misterioso cômodo do meu subconsciente. Sofri é claro, mas me harmonizei  com ele. E hoje, lembrar o que passou  já não me apavora  ou me intimida como antes. Convivo com lembranças numa paz indescritível. Olho com carinho e orgulho para tudo que  se tornou a base do que sou hoje. Consulto constantemente episódios quase apagados e consigo assim, decifrar os questionamentos  dos meu dias atuais. Aprendo, me  reconheço e me entendo com o que ficou lá atrás e se, num primeiro instante me apavoro, logo em seguida  enxergo o poder que tudo aquilo ainda exerce sobre mim, tanto negativamente como positivamente.
Quando nascemos, trazemos conosco um livro em branco, cujas páginas serão registradas com experiências, vivências, alegrias, tristezas e momentos únicos. Um livro  que só a nós  pertence, e que nos acompanha  enquanto  habitarmos este planeta misterioso e lindo. Não se consegue  pular capítulos, nem arrancar páginas e muito menos apagar registros. As marcas do que vivemos   estão  ali, para sempre...Indeléveis. E ao morrermos  se transformarão  também   em recordações para aqueles que, verdadeiramente nos  amam.
Por isso  já  não hostilizo o meu passado, nem o repudio como um mal indesejável. Gosto dele, viajo por ele constantemente e revivo  acontecimentos  que  me fizeram feliz. Recordo com entusiasmo experiências  gratificantes e me emociono, lembrando cada situação que  ficou lá, num tempo  onde já  não posso mais intervir. Assim como descreveu  Marcel Proust em sua obra mais famosa, ”Em busca do tempo perdido”, tento  eu fazer das minhas reminiscências, uma possibilidade, uma ilusão e uma fantasia para um presente mais agradável e mais sublime. Proust achava que recordar era o mesmo que eternizar o tempo que, fatalmente passa e acaba. Eu vou além, recordo-me do passado para também me autoconhecer.
Descobri assim  que,  ter saudades  não é tão ruim, nem  fere e nem  mata desde que, passemos a olhar tudo  com gratidão e com amor. Descobri que  certas recordações  podem  até me fazer crescer e podem me levar a corrigir defeitos até então imperceptíveis. Descobri que dá para transformar a nostalgia em companhia nos momentos de solidão e que  alegrias antigas podem ser revividas com muita  intensidade . Finalmente, descobri que, falar  do passado nos leva a reconhecer a força que nos mantém em pé, mesmo diante das  maiores adversidades. Hoje eu me  orgulho do minha história, pois  nela também existiram  pessoas especiais e lindas que,  só tornaram minha vida mais doce e mais humana. Relembrando, aprimoro meus sentimentos de amor, perdão e generosidade. E através desta sintonia de épocas também consigo lapidar minha alma para que ela não se torne um poço de amarguras e revoltas.
Experimentei  traumas, sofrimentos, perdas, decepções e sonhos  desmanchados. Chorei, ri, amei, mas tive também muitas alegrias, ilusões e ganhos. Ganhei  amigos, amores e dores. Acima de tudo, vivi.
Falar do passado então, não é “falta de assunto”. Falar do passado é reler  com encanto  este  livro da vida e  folhear  carinhosamente todas as suas páginas, magnificamente decoradas pelas mãos do Criador.
Fatima Chiati