Minha Madrinha tinha lá suas formas de poupar e em tempos difíceis sua cartilha de economia precisava ser seguida rigorosamente. Como há 50 anos não havia agências bancárias em Caieiras, ela guardava o dinheiro em casa mesmo, quando sobrava e numa gaveta da cômoda forrada com papel de presente estampado. Era lá o nosso cofre. Mensalmente alguma quantia era depositada debaixo daquele forro de papel, bem ao fundo, embrulhada num lenço ou num pedaço qualquer de tecido. Pelo que ela dizia, sempre fora assim. Quando jovem e já casada, o marido lhe entregava o salário recebido da Melhoramentos, confiando plenamente em sua administração doméstica. Ela pagava então, as contas do mês... O Armazém, o Padeiro, a Quitanda e outros. O que restava? Fundo da gaveta!!!
Com as suas costuras e com as horas extras do meu Padrinho é que aquela gaveta da cômoda se abastecia. Nela, o dinheiro permanecia intocável até o momento exato de ser utilizado. O momento? Sempre no final do ano... Para as festas, roupas novas, presentes e coisas para a casa.
Mais tarde, com as filhas adultas trabalhando, o hábito ainda se manteve e com a viuvez, em 1965, o costume perseverou. Todas as economias provenientes de suas costuras, crochê, faxinas e lavagens de roupa iam religiosamente para o fundo daquela “gaveta bancária”. Algumas vezes, durante a limpeza e arrumação do móvel até presenciei sua satisfação, ao encontrar uma nota perdida que havia se enroscado numa outra ponta do papel. Nunca nos atrevemos a mexer naquele “santuário”. Sem chaves e apenas com sua proibição verbal, nem chegávamos perto da sagrada gaveta.
Só que naquela época não se falava muito em juros ou correção e ela guardava apenas para as eventualidades. Eu mesma, seguindo seu exemplo, cheguei a depositar minhas moedas num cofre “porquinho” de plástico. Mas, as minhas emergências eram tantas que eu acabava colocando a ponta da faca na abertura para retirar algum trocado, sem que ela percebesse a façanha.
Quando enfim, as agências bancárias começaram a se instalar em Caieiras, sua primeira determinação foi para que eu abrisse minha própria conta. Guardar na gaveta da cômoda já não era o mais recomendado. Como agradeço sua imposição!
Hoje, ouvindo pelo rádio informações sobre investimentos financeiros pensei muito nela, que tanto me ensinou na vida. O que diria ao sentir a neurose, o desespero e a intranquilidade de quem dorme e acorda pensando em rentabilidade? Certamente ela se apiedaria de todos. Afinal nada disso teve muita importância em sua vida sempre voltada para um investimento bem diferente: O das atitudes grandiosas e transcendentais.
Refletindo seriamente sobre o hábito peculiar desta simples e sábia mulher concluo sobre tudo com uma analogia maravilhosa e até poética. Se por um lado ela poupava, na pequena gaveta da cômoda, valores para suas emergências, em contra partida esbanjava alegria, risos, bom humor, amizade, amor ao próximo, generosidade e muito, muito entusiasmo por viver humildemente sem extravagâncias desnecessárias . Se jamais pensou em lucrar, aumentar seu capital ou enriquecer e se bastou-lhe aquilo, da gaveta da cômoda, rendo-me ao padrão de vida por ela adotado porque, sua felicidade sempre esteve acima destas preocupações tão materialistas e ilusórias. Certamente, quando se atinge este grau máximo de sabedoria, as perdas e desvalorizações monetárias pouco importam pois, o ganho maior estará sempre na plenitude de uma vida rica de bons sentimentos e de patrimônio imensurável. Como foi a dela.
FATIMA CHIATI