Honestidade sempre foi o lema lá de casa e nisso subentendia-se os demais adjetivos que formatavam a palavra como: jamais roubar, jamais ludibriar, jamais trapacear, jamais mentir, jamais ser desleal e jamais se apossar de algo que não fosse nosso. Era uma oração diária, sempre acompanhada de palavras enérgicas de minha Madrinha que não admitia, em hipótese alguma, nenhum deslize desta natureza. Uma vez, ainda no Grupo Escolar, no Bairro da Fábrica, eu troquei meu lápis pelo da minha colega de classe. Mesmo depois das minhas explicações sobre aquele objeto diferente em meu estojo, só pude ficar com ele quando ela, pessoalmente, foi confirmar a nossa inocente negociação.
Anos mais tarde, eu já adulta participei de novo episódio envolvendo o mesmo tema: Honestidade!
Minha Madrinha havia encontrado no portão de casa, no lado de fora, uma carteira perdida e bem recheada de notas . Recolheu, guardou-a no canto da gaveta de sua cômoda e advertiu-nos para não tocar em nenhum centavo e muito menos comentar com estranhos. Tinha certeza de que o verdadeiro dono voltaria para procurar aqueles valores e por isso não poderia sair perguntando pela rua se alguém havia perdido tudo aquilo. Inteligente, sábia e vivaz, apenas guardou. E aguardou. Os dias passavam e quando em brincadeira eu tentava induzi-la a gastar algumas notas, imediatamente levava a maior bronca e o melhor sermão do dia: “Não devemos, jamais, pegar as coisas dos outros. Tudo na vida deve ser conseguido com trabalho, com honestidade, seja muito ou seja pouco. Este dinheiro tem dono e ele vai aparecer”. Eu silenciava. Não havia argumentos para contestar tão belo ensinamento. Mas, e se o dono da carteira não aparecesse? Doaria a algum orfanato, asilo...Eu a conhecia bem!
Um mês, dois meses se passaram. A carteira continuava intacta na gaveta. Um dia, porém, quase três meses depois, um homem simples e humilde que, nem era de Caieiras, passou pela nossa calçada e numa conversa despretensiosa contou sua tragédia ao ter perdido uma carteira naquelas imediações. Descreveu tão perfeitamente detalhes, objetos e valores que minha Madrinha rapidamente captou a coincidência daquele momento abençoado por Deus. A carteira intocável da sua gaveta, finalmente, havia encontrado seu dono.
Aquele foi um dia feliz ao humilde homem que até quis beijar lhe as mãos e a ela que cumpriu sua promessa tão cristã. Mas foi um dia especialmente feliz a mim que pude registrar em minha memória a emoção de um momento belíssimo e com demonstração perfeita de honestidade e bons princípios.
Naquela época, inicio da década de 70, vivíamos no país uma política muito rígida de ditadura militar, leis e prisões. Paralelamente, em nossa casa também éramos educadas dentro de um regime enérgico e até ditatorial de um mulher séria, ética, correta e extremamente decente. Foi este modelo de educação que traçou meus passos, determinou minha vida e guiou meus sonhos de conquistas e realização. Aprendi com a simplicidade familiar que, só nos pertence aquilo que, verdadeiramente conseguimos como o nosso suado trabalho. O resto é apropriação indevida e que, mais dia ou menos dia, a vida nos retoma a juros altíssimos.
Ter na lembrança este exemplo de vida tão lindo me tornou herdeira de um patrimônio infinito, legado de uma mulher lutadora, forte e determinada que, nunca vacilou entre o certo e o errado e que em nenhum instante teve dúvidas sobre o valor de seu maior bem: a honestidade.
Fatima Chiati
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