Como não se lembrar da Estação Ferroviária de Caieiras na década de 60! Sempre pomposa, exuberante e com a altivez herdada dos ingleses, seus construtores. O tijolinho à vista, os arcos, as ferragens, janelas e portas... Tudo com uma ostentação e imponência jamais visto por aqui. Os bancos de madeira, o piso, a bilheteria tudo bonito, clássico e fino como nos filmes antigos que retratam tão bem uma época de bom gosto arquitetônico.Eu adorava vir da Vila e ir pra São Paulo de trem.Sempre com minha madrinha,companheira de tantas décadas. Lembro que sempre que adentrávamos a estação,com a passagem comprada seguíamos pela plataforma de embarque, sempre em direção ao banheiro feminino. Lá o ponto de encontro das mulheres melhoramentinas se transformava pra mim num grande palco de diversão e acontecimentos. O banheiro era grande, tinha uma ante- sala com lavatório branco,torneiras torneadas ,espelho na parede , bancos e cadeiras espalhadas ao redor. Ao fundo o sanitário separado da ante-sala com uma porta vai e vem de madeira. Nesta ante-sala a movimentação sempre foi muito grande. As mulheres se arrumavam, passavam batom, penteavam os cabelos e principalmente lavavam os calçados que chegavam empoeirados e sujos da longa caminhada pelas ruas das vilas.Algumas até trocavam de roupa que eram trazidas embrulhadas já de casa. Lembro de um detalhe importante. Muitas traziam também, meia, cinta liga e até um par de sapatos com saltos muito finos. Naquele cômodo da estação todas se preparavam para a viagem de trem.As meias finas eram colocadas ali mesmo com o cuidado em alinhar a costura.Lenços eram umedecidos e passados no rosto.Perfumes eram borrifados.Pós de arroz eram espalhados.Laquês fixadores eram pulverizados nos cabelos e uma disputa amigável era travada entre todas naquele espaço tão peculiar.No dia 10 de cada mês eu e minha madrinha íamos até a estação da Luz, onde tomávamos um ônibus que nós levava até a Igreja de Santa Filomena.Outras vezes íamos até a Lapa, no mercado municipal.Saíamos lá da Vila a pé,tomávamos a maquininha e depois na Estação de Trem praticávamos o ritual da época: Ir ao banheiro da estação pra se arrumar.Muitas vezes tive meus sapatos limpos com um lenço úmido ou com papel .Muitas vezes meu rosto foi lavado naquele lavatório.Muitas vezes simplesmente fiquei ali,sentada naquele hall,observando a “ toalete” das senhoras caieirenses,sempre muito vaidosas.
Hoje olho a estação e vejo tudo tão diferente.Reformaram, fizeram “um puxadinho” prolongando a cobertura sobre a plataforma ,descaracterizando a arquitetura original.Nada mais,tem ver com o projeto da antiga Companhia Railway( 1883).As pessoas já não são mais elegantes como antes.Calça jeans e tênis viraram uniforme.Ninguém mais pode usar jóias.Ninguém mais se conhece.As mulheres não se reúnem na ante-sala do banheiro como outrora.Ninguém mais limpa seus sapatos ou se enfeita como naqueles dias em que ir para São Paulo era prazeroso.Hoje virou martírio e sofrimento.A Estação Ferroviária perdeu seu romantismo do passado.Provavelmente ninguém mais chega empoeirado como naqueles tempos.Mas certamente,ninguém sente a emoção que sentíamos ao fazer esta curta viagem de trem.O banheiro da estação também mudou e hoje se presta a sua natural função.Perdeu o charme,perdeu a suntuosidade e principalmente a energia emanada daquelas mulheres simples, mas sempre vaidosas, lá das Vilas da Melhoramentos.
FATIMA CHIATI
Comentários:
Bernardinha, esse mistério sempre me deixou curioso, quando criança, via as mulheres entrarem de um jeito e sair de outro, quando perguntava para minha Mãe ela dava respostas evasivas, "coisa de mulher" dizia e você não tem nada que saber, o tempo passou e apagou da minha memória essa curiosidade, agora revivida a cores . Que coisa, saber o que acontecia nesse banheiro depois de quase sessenta anos.... e viva essas mulheres de antigamente!.
Edson Navarro
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Sou filha do Moacyr de Sant'Anna, irmão da Dona Cida, costureira.
Parabéns pelas crônicas.
Fico encantada com as colunas da Fátima, minha prima. A emoção toma conta de mim de uma maneira saudável. Que bom que vocês construíram esse espaço para as lembranças. Na medida em que vou lendo suas colunas e de outros escritores, lembro-me de quando ficava dias na casa da tia Cida, com as primas Fátima e Joana. Nos divertíamos a valer. Sucesso e grande abraço. Magali Sant'Anna
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Gostei de sua crônica a respeito do banheiro da estação.
Lembrei-me que tinha uma foto feita no final da década de 30 (a rede aérea da ferrovia ainda não estava pronta para os trens elétricos), onde dá prá ver o banheiro, inclusive com anuncio do então famoso cigarro Beverly.
Nessa época a porteira era realmente uma porteira. Ela abria para a passagem de veículos e fechava para a ferrovia (como está na foto) ou vice-versa.
Lembrei-me também (não sei se na sua época ainda tinha) da famosa “Sala para Senhoras”...muito charmosa. Eu achava bonito entrar com minha mãe naquela sala.
E pensar que hoje as mulheres andam com latinhas de cerveja à mão...................................uau!!!
Nilson
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