Tudo mudou mesmo. Em décadas passadas sair de Caieiras e ir para São Paulo de trem era realmente delicioso e emocionante. No banheiro feminino da estação, as mulheres se enfeitavam e completavam o ritual de embelezamento. Embarcar no trem era sempre estimulante e marcado de encontros concretizados dentro dos vagões de um transporte muito usado na época . As pessoas iam bem vestidas, perfumadas, com joias e adornos da melhor qualidade. Não havia assaltos ou vandalismo. Ninguém era pisoteado. As conversas, não só eram possíveis, como eram habituais. E só mesmo os mais reservados ou solitários agarravam-se aos livros e jornais, numa oportunidade única de adquirir informação ou simplesmente distrair-se. Muitos namoros foram impulsionados na corrida pelos trilhos e muitos casamentos se planejaram em confortáveis passeios pela linha férrea. Os caieirenses vibravam com estes passeios nos finais de semana. Ia-se ao cinema e principalmente em boas lojas. Nós crianças, nos anos 60 ou 70 nos divertíamos muito também. Sentávamos próximas às janelinhas e nos deliciávamos com as curvas, morros , rios e pontes que até se pareciam com um caleidoscópio de imagens multicoloridas. Íamos frequentemente ao bairro da Lapa e andar pelo Mercado Municipal, com a minha madrinha, sempre foi um presente dos deuses. Entrávamos nas lojas, caminhávamos pela Rua 12 de outubro, íamos à Igreja Nossa Senhora da Lapa e finalmente a uma pastelaria próxima à estação.
Por saudosismo e para preservar o hábito, na semana passada, fui trem até lá. E enquanto a viagem transcorria, fiquei na observação. Olhei, analisei e refleti sobre tudo à minha volta. Por instantes me deu uma tristeza vendo o quanto tudo está diferente . Já não há conforto, já não existem as mesmas pessoas e a viagem de trem para a maioria não passa de um massacre diário. Pude ir sentada, felizmente. Mas notei o sofrimento dos que permaneceram em pé. Apertados, espremidos e sem a mínima condição de curtir o trajeto. Aliás, deslumbrar-se com o trajeto é praticamente impossível. Os trechos percorridos são simplesmente deprimentes. Nas encostas, a construção irregular de conjuntos habitacionais parecem dependurados nos mesmos barrancos que, no passado, só acolherem árvores e muito verde. Mesmo nas proximidades das estações o visual permanece ruim com muito lixo, galpões inacabados e vagões de trem abandonados ao relento. Mas, internamente, os trens escondem um suplício ainda maior e que também trafega pelos trilhos, punindo injustamente todas aquelas pessoas. Olhando ao redor até pude ver alguns deles. Vi homens mal educados , sentados, com as pernas totalmente abertas ocupando espaços de duas pessoas. Vi um casal de jovens namorados, num “amasso” tão explícito e ardente, constrangendo e complicando ainda mais o viajante do lado. Vi um jovem em pé que, apesar de bem vestido, permaneceu tão alienado ao ponto de não “se tocar” que, seu livro aberto atrapalhava ainda mais as pessoas ao redor. Vi uma jovem bonita, moderninha e emperiquitada , de vestido justíssimo, dando bronca em alguém que acidentalmente, deve ter puxado um fio de sua meia arrastão. E teve o casal de gays, despreocupado, ouvindo música por um único aparelho celular e cujo fio do fone de ouvido, inconvenientemente, enroscava-se nas cabeças alheias. São exemplos. Dizem ocorrer coisas piores.
Quando cheguei ao meu destino, me senti aliviada. Em tão pouco tempo presenciei de tudo: gente batalhadora, cansada, desrespeitada, gente folgada, gente sem desconfiômetro e gente acima de tudo anestesiada pelo sofrimento diário. Tive pena de todos e em seguida, lembrei-me de velhos tempos, de antigos passeios e da sensação gostosa em ir de Caieiras à São Paulo. Conclui que desde o romantismo de uma época distante à tortura dos dias atuais, viajar de trem há muito tempo perdeu seu encanto. Concluí também que nestas condições dificilmente alguém abdicará do automóvel E só mesmo aqueles sem opção ou “alucinados” como eu por uma voltinha pela Lapa, farão tamanho sacrifício. O que não deixa de ser lamentável. Tudo podia ser bem diferente.
FATIMA CHIATI
Comentários:
Belo tema.As viagens de trem de antigamente tinham de fato um encanto maravilhoso,indecifravel, romantico mesmo. As despedidas tristes, as chegadas alegres. Novas pessoas Esse saudosismo de fato nos entristece hoje, lendo o que voce descreveu. E p´ra chorar. São os tempos.
Walter Ferraresi