Um Diário para Sophia
Não era o “Diário de Anne Frank” e nem tão pouco um diário qualquer. A capa almofadada e plastificada tinha flores em tons de rosa com bordas bem confeccionadas, cheias de nervuras, para evitar as indesejáveis dobras. As páginas brancas com linhas bem finas e delicadas mostravam uma feminilidade indescritível. Com letras bem delineadas, o título me transferia a propriedade: “ Meu Diário”... Assim estava escrito.
Nele passei a registrar acontecimentos, paixões, chorar meus dramas, confessar meus segredos e escancarar meu coração. Nele e com ele iniciei minha humilde trajetória poética e literária. Nele escrevi sobre meu cotidiano e sobre sentimentos que latejavam em mim no início de uma conturbada adolescência. Para ele contei amores, amizades, sonhos, ilusões, fantasias, decepções e tudo que até então permanecia acorrentado dentro de mim. Ele era meu apoio, minha base e minha companhia nos momentos tristes. Era também, meu amigo, confidente e cúmplice de muitas alegrias experimentadas. Era um fiel confessor. Libertava-me da timidez, tirava-me da solidão e me acolhia nas incertezas. Permitia-me desabafar neuroses juvenis, extravasar iras reprimidas e me estimulava a sonhar até com o impossível. Passava horas com ele. Adorava-o! E escrevia... Escrevia sem parar.
Minha Madrinha acompanhando tudo apenas dizia: “Escreva mesmo! O que teu coração mandar! Isto faz bem! “. E como fazia bem!
Depois de escrever, escondia o pequeno companheiro num canto do guarda- roupa e num espaço que ela mesma havia reservado para aquele grande amigo. E com os meus segredos, lá ficava ele, sufocado, mas bem guardado e seguro. Ou parecia estar, até que minha irmã Joana, mais nova, peralta e curiosa o encontrou. Leu, se apoderou de todos os meus confessos infantis que, como penas, se espalharam pela casa, pelos cantos e aos quatro ventos.
Que tragédia foi para mim! Minha Madrinha não deixou barato já que não admitia este tipo de invasão, nem mesmo entre irmãs. Por causa disso aquele dia, foi um dia de muito sermão, broncas e castigo. Foi um dia, principalmente, de muito desencantamento e que me levou a picar aquele diário. A cumplicidade secreta tinha sido destruída.
Os dias se passaram, os ânimos se acalmaram e o episódio foi esquecido. Suspendi temporariamente a escrita e só retomei o hábito algum tempo depois, em condições totalmente diferentes.
Os anos se passaram e eu hoje numa loja, coincidentemente, me vi com um diário em minhas mãos. E comprei. Não para mim, mas para a filha da minha sobrinha Lia Maura. Este agora seria o “Diário de Sophia”.
Comprei primeiramente por ela, mas também levada pela forte nostalgia ao recordar mais esta história tão doce da minha infância .
Penso que talvez este “Diário de Sophia” nem cumpra a mesma missão que o meu. Mesmo assim, no fundo do meu coração desejo que ela, por um instante apenas, viva a emoção de registrar nele, algum acontecimento unicamente dela. E tomara, que neste instante, este mesmo diário desperte nela a encantadora magia que o meu despertou em mim.
Encantamentos assim, são raros, mas são eles que se eternizam e se tornam determinantes na em nossas vidas. E desejo mais... Desejo que ela também possa sentir a imensa felicidade que eu um dia senti ao escrever num mimoso caderninho de confissões.
Fátima Chiati
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