19/09/2014
O Tatu embalsamado


Eis que eu, assistindo “A Família Dinossauro”, consegui, com   figura caricata do filhote “Baby”, fazer uma viagem pelo  tempo e reviver  um episódio divertido  da minha infância.
Em 1965 nos mudamos da Vila Leão para o centro de Caieiras, na Rua 4 (atual Rua Guadalajara). A nova moradia transformou nossas vidas. Enquanto os adultos cuidavam da arrumação de seus novos lares, nós crianças explorávamos  as ruas, os arredores e o bairro novo. Morávamos na  quinta casa , daquele grupo de quinze. Na rua de baixo (hoje Rua Portugal) havia mais cinco, idênticas. Nossos vizinhos, à direita, eram o Sr. Heitor da Cruz e sua  esposa Dona Maria. Ela era  Parteira e conforme contava,  me trouxe ao mundo, ainda  lá na Vila. Era também Enfermeira  do Ambulatório Médico, auxiliava o respeitado  Dr. Jerônimo Ribeiro, que por décadas  prestou  atendimento  a todos nós moradores do Bairro  da Fábrica. Não me recordo da profissão do Seu Heitor da Cruz. Mas me lembro dele chegando  todas as tardes, fardado e  elegantemente uniformizado. Também trabalhava na  Companhia Melhoramentos.
Voltando às casas... Cada um enfeitava a sua como podia  e a decoração não seguia regras. Na casa deles, por exemplo,   um adorno bem peculiar me encantou e foi motivo de muitas, das minhas escapadas para a rua.
Ficava na entrada, no lado externo da porta da sala e sobre um  degrau de cerâmica caprichosamente encerado. Era  um tatu. Sim, um tatu... Só que, embalsamado.
Por causa deste  estranho animalzinho eu permanecia horas debruçada no muro ou no portão da casa  deles. Olhava, olhava   alimentando secretamente  um  sonho ingênuo de  carregá-lo  no colo  como se fosse um bebê! O meu  “Baby  Tatu”!
No início  eu  acreditava   que ele estivesse vivo. Depois com as explicações da minha Madrinha entendi que  estava morto, porém  embalsamado. O que também foi  uma grande  novidade.
Num belo dia, para minha alegria, a Dona Maria me fez entrar para  brincar com o exótico  objeto decorativo... Aceitei rapidamente  e receosa esperei  até que   ela o entregasse  a mim. Olhei, virei, analisei e me extasiei com a riqueza de todos os detalhes. O tatuzinho  apesar de morto, envernizado e imóvel era perfeito. O casco,  as patas, as unhas, a pele rugosa do abdômen, a boca e os olhos... Ah, os olhos! Estes  pareciam vivos!  E como brilhavam!
Mas, eu tinha apenas oito anos, pequena demais para carregar aquele bicho  pesado, como se fosse um boneco. Acabei desistindo da brincadeira rapidamente. O bichinho ficava melhor mesmo naquele degrau  da porta,  onde eu sempre o admirei. O sonho já fora  realizado e  me contentado o bastante: Carreguei e brinquei com o  meu  “Baby Tatu” pelo tempo suficiente.
Lembrando-me  disso tudo agora, também  lembrei,  logicamente, do carinho  e  da atenção  recebida daqueles queridos vizinhos para comigo. E senti  saudades.  Mas senti também uma grande alegria por conseguir resgatar  tão belas emoções. A lembrança daquele  tatu  embalsamado  alavancou recordações mais nobres e lindas . Contar sobre o animal petrificado foi apenas um detalhe. O mais  importante está sendo a   oportunidade para homenagear pessoas lindas que, através de gestos simples e generosos  me proporcionaram grandes  momentos de felicidade . Sem sombras de dúvidas, Dona Maria e Sr. Heitor da Cruz  foram  e simbolizam  estas  pessoas, os  personagens sempre    vivos, inesquecíveis e presentes no meu coração , nas minha histórias e nas minhas humildes crônicas.

FATIMA CHIATI.



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