Eis que eu, assistindo “A Família Dinossauro”, consegui, com figura caricata do filhote “Baby”, fazer uma viagem pelo tempo e reviver um episódio divertido da minha infância.
Em 1965 nos mudamos da Vila Leão para o centro de Caieiras, na Rua 4 (atual Rua Guadalajara). A nova moradia transformou nossas vidas. Enquanto os adultos cuidavam da arrumação de seus novos lares, nós crianças explorávamos as ruas, os arredores e o bairro novo. Morávamos na quinta casa , daquele grupo de quinze. Na rua de baixo (hoje Rua Portugal) havia mais cinco, idênticas. Nossos vizinhos, à direita, eram o Sr. Heitor da Cruz e sua esposa Dona Maria. Ela era Parteira e conforme contava, me trouxe ao mundo, ainda lá na Vila. Era também Enfermeira do Ambulatório Médico, auxiliava o respeitado Dr. Jerônimo Ribeiro, que por décadas prestou atendimento a todos nós moradores do Bairro da Fábrica. Não me recordo da profissão do Seu Heitor da Cruz. Mas me lembro dele chegando todas as tardes, fardado e elegantemente uniformizado. Também trabalhava na Companhia Melhoramentos.
Voltando às casas... Cada um enfeitava a sua como podia e a decoração não seguia regras. Na casa deles, por exemplo, um adorno bem peculiar me encantou e foi motivo de muitas, das minhas escapadas para a rua.
Ficava na entrada, no lado externo da porta da sala e sobre um degrau de cerâmica caprichosamente encerado. Era um tatu. Sim, um tatu... Só que, embalsamado.
Por causa deste estranho animalzinho eu permanecia horas debruçada no muro ou no portão da casa deles. Olhava, olhava alimentando secretamente um sonho ingênuo de carregá-lo no colo como se fosse um bebê! O meu “Baby Tatu”!
No início eu acreditava que ele estivesse vivo. Depois com as explicações da minha Madrinha entendi que estava morto, porém embalsamado. O que também foi uma grande novidade.
Num belo dia, para minha alegria, a Dona Maria me fez entrar para brincar com o exótico objeto decorativo... Aceitei rapidamente e receosa esperei até que ela o entregasse a mim. Olhei, virei, analisei e me extasiei com a riqueza de todos os detalhes. O tatuzinho apesar de morto, envernizado e imóvel era perfeito. O casco, as patas, as unhas, a pele rugosa do abdômen, a boca e os olhos... Ah, os olhos! Estes pareciam vivos! E como brilhavam!
Mas, eu tinha apenas oito anos, pequena demais para carregar aquele bicho pesado, como se fosse um boneco. Acabei desistindo da brincadeira rapidamente. O bichinho ficava melhor mesmo naquele degrau da porta, onde eu sempre o admirei. O sonho já fora realizado e me contentado o bastante: Carreguei e brinquei com o meu “Baby Tatu” pelo tempo suficiente.
Lembrando-me disso tudo agora, também lembrei, logicamente, do carinho e da atenção recebida daqueles queridos vizinhos para comigo. E senti saudades. Mas senti também uma grande alegria por conseguir resgatar tão belas emoções. A lembrança daquele tatu embalsamado alavancou recordações mais nobres e lindas . Contar sobre o animal petrificado foi apenas um detalhe. O mais importante está sendo a oportunidade para homenagear pessoas lindas que, através de gestos simples e generosos me proporcionaram grandes momentos de felicidade . Sem sombras de dúvidas, Dona Maria e Sr. Heitor da Cruz foram e simbolizam estas pessoas, os personagens sempre vivos, inesquecíveis e presentes no meu coração , nas minha histórias e nas minhas humildes crônicas.
FATIMA CHIATI.