Um dia disseram que ao me aposentar, eu entraria em depressão. No início estranhei me vendo longe de atividades que, por mais de 30 anos, dominaram meus dias, como levantar cedo e sair sempre correndo por causa de horários e compromissos. Nos primeiros meses, em casa, limpei armários, gavetas e tudo que nunca se faz por falta de tempo. Depois tentei trabalhar em outra empresa, em outra área. Meses depois, fui fazer aulas de artesanato, de dança, de pilates, caminhadas etc. Seguindo sugestões de amigas, fiz viagens e passeios de excursão. Entrei para o clube da terceira idade, joguei bingo e até conversa fora. Comprei livros, revistas, palavras cruzadas. Fui a shoppings, cinema e um pouco mais, movida pelo pavor de cair no marasmo e na mesmice doméstica que nos “emburrece” lentamente. E temendo a depressão anunciada, inconscientemente, acabei mantendo o mesmo ritmo agitado e ansioso de sempre.
Num belo dia, enjoei de tudo e um pouco de racionalização me fez mudar de comportamento. Optei por diminuir o ritmo doméstico ingrato e escravizante. Reorganizei- me e descobri coisas fantásticas. Descobri por exemplo que a internet pode ser uma boa aliada, se usada com lucidez. Nela se encontra os mais variados e infinitos assuntos que, de alguma forma, aprimoraram o intelecto .Descobri pessoas. Fiz amizades e através de duas (Altino Olímpio e Edson Navarro), comecei a escrever para este jornal, liberando assim meu poder criativo já bem adormecido. Fiz novos amigos, reencontrei outros e magicamente, um universo maravilhoso se escancarou à minha frente me tornando imensamente feliz.
Entendi então que, aposentar é bom e que, agitação demais pode ser sinônimo de angústia. Entendi que parar de trabalhar é o mesmo que abandonar um ringue que, só machuca e sufoca. Melhor, é estar no palco que realiza e liberta. Descobri como é desgastante ter que prestar contas sempre, atingir metas, suportar pressões. Descobri como é penoso conviver com inimigos, antipatizantes e sugadores da energia alheia. Descobri como é mais gratificante ter amigos verdadeiros, companheiros, leais e compartilhantes . Descobri que é bem mais saudável não ter que engolir sapos ou se atracar com leões para se provar capacidade. Descobri que em certa altura da vida, dificilmente se enriquece e que por isso deve-se exercitar para gastar o necessário. Com sabedoria e bom senso comprar passa a ser secundário. De onde se conclui que, para ser feliz basta pouco. Basta o essencial, o invisível, o simples e o descomplicado.
Descobri em tempo que, a meta perfeita é a de viver bem, distante do ringue e da competição sufocante. O sonho maior é ter saúde, nem que seja com doses homeopáticas de ociosidade. Não fazer nada de vez em quando também é terapêutico, proporciona bem estar, relaxamento e incentiva a reflexão .
Para concluir, ante suposições, indagações e constatações, aposentar na realidade, nada mais é do que prosseguir com passos mais lentos, acordar preguiçosamente, e fazer só o que se tem vontade. É usar o relógio como adorno. É viver cada dia sem grandes turbulências, reaprendendo a olhar o mundo com mais carinho e atenção, aceitando amigavelmente a rotina boa da quietude.
E não vale sentir culpa! No palco da vida, vale de fato, os aplausos e uma auto reverencia por todas as conquistas, tolerância e sensatez em abandonar o ringue no momento certo.
A sensação de missão cumprida, deve então ser saboreada com uma pitada de orgulho já que a condecoração, mesmo que subjetiva, terá seu peso em ouro e se transformará numa âncora emocional eterna, dando continuidade para uma nova etapa de vida.
FATIMA CHIATI
Comentários:
Fátima, como você é cada vez mais lida neste Jornal, com centenas de acesso na sua página, só tenho a dizer: Viva a Aposentadoria. Continue. Edson
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Que belo texto este da Fatima sobre a aposentadoria. Ela demonstra que sabe usar o seu discernimento, embora muitos não o saibam. Aposentar tem a ver com o "agora vou viver como quero e não como querem os outros". Muitos, parece mesmo, que, desaprenderam a viver "consigos mesmos" e por isso estão despreparados para a aposentadoria. Aquele "não tenho o que fazer, não aguento mais só ficar em casa e etc" são os queixumes de muitos. A Fatima "se encontrou" porque encontrou como passar o tempo (risos), embora, muitos aposentados ainda não encontraram. No texto ela citou dois nomes, o meu e o do Edson Navarro como nós sendo o prazer de nos ter conhecido. Isso é recíproco e nos envaidece.
Altino Olympio
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Gostei muito de sua crônica.
Bem diferente daquelas que apregoam que "quem se aposenta logo morre..."
A aposentadoria requer realmente imaginação. Um hobby faz as coisas ainda
melhores. Nilson
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