Se a vida é uma novela não sei, mas que os brasileiros sempre foram noveleiros, não resta dúvidas. Desde a era do rádio, novelas sempre prenderam a atenção das pessoas. Antes, só das mulheres. Hoje com a abrangência de temas, até os homens se enveredam em tramas tecidas cuidadosamente, para o perfeito espetáculo da televisão brasileira.
No passado elas foram essencialmente, de época, históricas e românticas. Mas, com o tempo foram adquirindo novos formatos , novos textos e novos temas. Críticas à parte, os assuntos passaram a ser mais polêmicos e até situações de ordem política e social passaram a ser o alvo dos maiores autores da teledramaturgia .
Quem da década de 70, não se lembra das novelas “O Grito”, ou então, “ O Espigão”? Consideradas avançadas demais, traziam questões sobre comportamentos e faziam grandes alertas sobre a desumanização ocasionada pelo aumento desenfreado dos grandes edifícios em São Paulo. Quem não lembra também, da novela “A Rainha da Sucata” que nos anos 80 fazia enorme propaganda à coleta seletiva mostrando que, seria até possível se enriquecer com o lixo urbano? Quem não lembra ainda, de “Barriga de aluguel”, onde um tema extremamente sério foi levado ao ar, fazendo os cérebros fervilharem ante a descoberta e a possibilidade fantástica da fertilização in vitro?
Inevitavelmente, de lá pra cá muita coisa evoluiu no mundo, confirmando a antiga teoria de que a vida imita a arte ou vice e versa. Novela passou a ser então, o retrato falado da vida da maioria das pessoas. Uma simples cena muitas vezes parece ser a cópia perfeita da realidade de muita gente. Mas, o outro lado também é verdadeiro, respostas, soluções, sugestões, denúncias e críticas sempre aparecem num pequeno quadro, onde nem só a ficção ganha espaço. Novela passa, desta forma, a exercer uma função terapêutica , descontraindo, divertindo, mostrando um mundo inatingível e porque não , cheio de fantasias. É um lenitivo às atribulações do cotidiano .
Talvez tenha sido por estas qualidades que, “Avenida Brasil” tenha atingido os maiores índices de audiência, e jamais vistos, desde a morte de Odete Roitman em “Vale Tudo”. Se para muitos, houve apelação, para outros houve de fato uma simbiose entre a ficção e a realidade, onde desgraças, crimes, traumas, violência, sexo e bandidagem foram muito bem retratados pelos excelentes atores. Se houve drama além da conta, isto agora não está em pauta. O que contou realmente foi o talento do autor em prender a atenção do público, principalmente nos últimos capítulos. Há quem critique, considerando e apontando exageros, no que até concordo. Mas, pensando melhor lembrei que grandes obras teatrais, desde a Roma antiga, sempre se utilizaram destes artifícios melodramáticos. Provocar emoções fortes e até alienar pessoas, sempre foi proposital. Atualmente, no mundo competitivo das emissoras de televisão a meta é atingir o máximo em pontos no ibope.
Mas voltando às novelas, no final, a vitória do bem sobre o mal acaba prevalecendo e alguma mensagem fica expressa. Entre assassinatos, psicopatias e neuroses representa-se também o amor, o arrependimento, o perdão, a alegria e os atos heroicos dignos dos maiores deuses do Olimpo. O que é o desejado.
Com tudo isto, creio ser impossível ignorar ou desmerecer a importância deste gênero de programação nos dias atuais.
Mas, se por alguma razão, uma classe intelectualizada detesta e nega o valor das telenovelas, certamente um dia, já derramou lágrimas de emoção ao assistir , numa sala de teatro, “ A Tosca” de Puccini.
Diferença? Uma apenas. Ricos e intelectuais saem a rigor e conseguem transformar o espetáculo artístico num evento social de elites privilegiadas.
Os noveleiros, muitos também ricos e intelectuais , ao contrário, assistem ao folhetim da televisão, em casa mesmo, na cama ou no sofá, instigados unicamente pela diversão ou pelo prazer único de prestigiar tão ricas produções.
Negar isto seria pura ignorância. Ou esnobismo e preconceito.
Por isso não nego, declaro e assino em baixo: gosto, assisto e sempre que possível, não perco um capítulo da minha novelinha preferida. Não me envergonho disto. Até recomendo.
FATIMA CHIATI
Comentários:
Fatima, gostei muito do tema, tão atual e tão polêmico como a novela.
Lembro-me da minha avó sentada na máquina de costura ouvindo novela na radio nacional e que na época nem sonhava com TV preto e branco, quanto mais colorida, fininha, 3D e toda a tecnologia que existe hoje e que continua evoluindo a cada dia. Só acho que na vida real, todos os problemas deveriam terminar como nos últimos capítulos das novelas, mas a realidade não é bem assim e é por isso que sentamos na frente da TV e saímos um pouco da vida real e passamos a vivenciar a novela como se aquilo tudo fizesse parte da nossa vida. Também sou noveleira assumida. bjs. amiga. Maria Mandri Caieiras
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Excelente Fatima! Disse tudo. As pessoas são hipócritas e negam até a morte,
mas assistem sim, novelas, Big Brother, programas de auditório. Mas, sem que
ninguém saiba, pois querem passar a imagem de “intelectual”. Como se, deixar
de fazer isso fosse quesito para tal. Como nossa amiga Sheila Mara disse, o
controle remoto existe é para mudar o canal. Se não quer assistir, mude...
Deratriz Puga.Franco da Rocha
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