O Baú da vida e da felicidade.
Muitas mulheres nas décadas de 60 e 70 acreditaram na chance de concretizar muitos de seus sonhos de consumo. Ou pelo menos alguns deles. Tudo porque surgiu, na mesma época, o famoso “Carnê do Baú da Felicidade”. Aquele criado pelo empresário e apresentador de TV, Sílvio Santos. Vendido de porta em porta e com pagamentos mensais, o carnê prometia, a todas as sonhadoras senhoras, a oportunidade de se ganhar casas, carros, viagens e muitos, muitos prêmios. Semanalmente durante o programa de televisão, um sorteio entre montanhas de cupons fazia a audiência do canal aumentar, da mesma forma que fazia aumentar a ilusão das humildes donas de casa e entre elas as caieirenses é lógico. E foi o que presenciei bem de perto. Por anos a fio vi minha Madrinha ( Dona Cida Sant’Anna), uma simples e trabalhadora mulher, separar os regados tostões ganhos com seu trabalho desgastante de lavadeira de roupas. Pagava religiosamente as mensalidades e assistia também, religiosamente, o programa dominical na esperança pura de ser a próxima sorteada. Nunca foi. Assim como ninguém que conhecíamos. Mas não desistia. Com as mãos cruzadas em oração pedia em silêncio que, o cupom do seu carnê saísse daquela montanha gigantesca e fosse para as mãos do apresentador. Queria ganhar algo. E nem se importava com o prêmio. O terceiro, o quarto ou quinto lugar seria abençoado pois, resolveria seus problemas financeiros imediatos. Nunca foi premiada. Mas continuava fiel ao carnê, afinal no término das doze parcelas pagas, como compensação, poderia retirar seu prêmio de consolação: Ir a uma das Lojas do Baú e retirar o que quisesse em mercadorias de uso doméstico. E assim como dizia ela, pagar aquela mensalidade era o mesmo que fazer uma poupança bancária. Só que sem juros e sem correção, obviamente. Fui muitas vezes com ela retirar o seu prêmio “de conformação”. No Bairro da Lapa- SP havia muitas Lojas do Baú. Porém, escolher o prêmio era sempre um drama. O valor pago nunca era suficiente para levar qualquer mercadoria à venda já que, “estranhamente”, tudo era sempre mais caro que em qualquer outro lugar. Mas, só nas Lojas do Baú é que se obteria “ o dinheiro de volta”.
Minha madrinha escolhia então, a dedo, sua mercadoria, porque no final teria que completar o valor. Comprava panelas, roupas de cama e mesa, talheres, facas e o que fosse possível dentro do orçamento dela. Inúmeras vezes ela observou que, talvez dois carnês fosse o ideal. Mas porque se tudo aqui sempre é mais caro? Mas ela insistia que aquilo era bom e que era uma poupança. Sem juros, sem correção, mas, uma poupança.
Numa última vez que me lembro, ela, sozinha trouxe da Lapa uma escada doméstica de 5 degraus. Feliz! Nunca mais precisaria emprestar da nossa vizinha Maria Luiza (mulher do Faísca). Chegou naquele dia quase morta de tanto cansaço, sem fôlego e com dores por todo o corpo. Também pudera! Da Lapa até Caieiras, de trem, a pé pelas ruas carregando uma escada! Mas, chegou feliz pela grande aquisição proveniente de sua poupança no Baú da Felicidade. Coitada! Quanta ilusão naqueles tempos de dificuldades.
Algum anos depois para minha tranquilidade ela desistiu de poupar comprando os Carnês do Baú. Pensei... Finalmente ela entendeu o jogo. Que nada! Continuou acreditando na sorte prometida e nunca acontecida. Passou em seguida a comprar a Tele Sena do Baú e a história recomeçou. Ignorei. Não mais contestei afinal, no baú da vida também colecionamos ilusões, sonhos e desejos que nem sempre se realizam. Nem por isso desistimos. Ela era persistente e preferiu manter a sua esperança de realizar alguns de seus sonhos e continuou acreditando neste tal Baú da Felicidade. Acho que assim ela pode ser um pouco mais feliz.
Fatima Chiati