Fui criada entre mulheres artesãs. E no sentido mais amplo da palavra já que, a família Sant’Anna era embalada por estas profissionais e suas habilidosas mãos. Minha Madrinha, Tia Iracema, Tia Tatinha, Tia Olga, Tia Cici... Todas... Todas eram exímias artistas. Costuravam, bordavam, tricotavam , crochetavam e muito mais.
Frequentemente, este grupo de mulheres, se acomodava na sala de nossa casa , num circulo amigo e animado, para conversar sobre os mais variados assuntos. Sempre perfeitas, se dedicavam a diversos trabalhos manuais. Num primeiro momento, talvez movidas pela necessidade em aumentar a renda e ajudar seus maridos. Num outro tempo, no entanto, treinavam estas aptidões por simples prazer e por se sentirem, de certa forma, mais unidas naquele doce momento de descontração. Trocavam técnicas e, enquanto falavam, não perdiam tempo. Entre linhas, fios e agulhas teciam, também, um pouco da historia familiar.
Eu na época, criança e dispersa, talvez não tenha me dado conta do valor deste encontro puramente feminino. Preocupava-me em brincar com as primas. Só hoje, no entanto, é que consigo valorizar e refletir sobre a importância, destas mulheres em minha vida.
Entendi que, elas não treinavam apenas suas qualificações de mulheres do lar. O que, aliás, faziam com muito esmero. Elas na verdade praticavam um grande exercício para melhor se viver. Ao reunirem-se naquele pequeno espaço, explanavam sobre os problemas, os dramas, as dificuldades, as alegrias e todos os acontecimentos que marcavam a trajetória do Clã Sant’Anna. Muitas vezes ouvi os lamentos, as dores e os pesares. Presenciei lágrimas. Muitas lágrimas. Mas, também ouvi risos, muitas gargalhadas e muita alegria . As fortes emoções sem sombras de dúvidas, foram constantes neste poético convívio feminino.
Pelos dedos de cada uma delas eu vi, linhas, fitas, dedais, rendas e agulhas. No colo vi colchas, toalhas, vestidos, tapetes e casacos. Mas, na alma destas lindas mulheres... Vi a docilidade, o amor, o companheirismo e acima de tudo a grande união. Confeccionavam peças, adornos e paralelamente bordavam lindos sonhos em meu coração. Remendavam roupas velhas e conseguiam alinhavar muitos dos ferimentos de minha alma. Pintavam tantas cores e fantasias em meus pensamentos que, eles restauravam o brilho em meus olhos curiosos. Enlaçaram-me, deram-me afeto e despretensiosamente me deixaram fazer parte daquele núcleo tão forte e poderoso .
Como era esperado, também me presentearam para que eu inúmeras vezes desfilasse com suas obras de arte...Vestidos, blusas, xales e bolsas... Caprichosamente feitos por elas.
Infelizmente, mesmo assistindo a aulas tão preciosas não lhes herdei o mesmo talento. Herdei na verdade, algo invisível aos olhos, algo que só eu consigo reconhecer e enxergar. Dos momentos abençoados e compartilhados ao lado delas , aprendi a ser forte e decidida. Como elas foram um dia, em tempos de tantas dificuldades. A coragem destas mulheres, fortaleceu em mim o senso de auto- subsistência e, até hoje, é a base que me sustenta, diante das adversidades. Sem premeditar, elas conseguiram... E tramaram com suas linhas, lãs e agulhas a história de carinho familiar que sempre esteve presente em minha vida. Graças a elas pude usufruir de momentos de intensa felicidade e carinho.
Hoje sinto a ausência das que partiram desta vida . Deixaram um vazio em meu coração.
Todas, porém permanecem, presentes latentes e sempre vivas na minha memória como mulheres únicas e inesquecíveis. E foram, com certeza, as melhores e mais belas Artesãs da minha vida! Amo-as demais!
Fatima Chiati