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11/10/2020
Debate no Instituto de economia da Unicamp

Debate feito em 2019 portanto antes da pandemia

Fernando Nogueira da Costa

Assisti, no Auditório do Instituto de Economia da Unicamp, ao debate entre Guilherme Mello (IE-Unicamp), Marcos Lisboa (presidente do Insper e ex-secretário de política econômica do governo Lula), Pedro Paulo Zahluth Bastos (IE-Unicamp) e Samuel Pessôa (FGV-IBRE). No evento houve o lançamento do livro “O Valor das Ideias” (São Paulo: Companhia das Letras; 2019).

Marcos Lisboa e Samuel Pessôa organizaram o livro com os debates travados na imprensa brasileira a respeito de temas da agenda política e econômica brasileira. Este livro reconstitui uma discussão plural sobre os rumos da esquerda, o balanço dos mandatos PT e PSDB, a crise da democracia e as controvérsias das escolas econômicas.

Parte I - Questão de Métodos: Heterodoxia e Mainstream

Na primeira parte, tratou-se dos distintos métodos da Economia do Mainstream e da Economia Heterodoxa, respectivamente, o hipotético-dedutivo-racional e o histórico-indutivo. Inicialmente, Marcos Lisboa adotou o discurso presidencial proferido por Robert Shiller na 129ª reunião anual da American Economic Association, no dia 7 de janeiro de 2017, em Chicago, a respeito de Narrativas Econômicas. Passou a ser uma referência para debate entre os economistas.

Shiller, um economista comportamental, foi ganhador do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 2013. A Economia Narrativa é o estudo da disseminação e dinâmica de narrativas econômicas populares por meio de histórias, particularmente aquelas correspondentes aos interesses e às emoções humanas. Observa como as estórias mudam através do tempo para compreender as diversas flutuações econômicas.

A apresentação de Lisboa lembrou-me também do artigo “The Changing Face of Mainstream Economics”, escrito por David Colander, Ric Holt e Barkley Rosser, e publicado em 2003. Eles comentam: se alguém lê a literatura heterodoxa em Economia hoje em dia, tem-se a impressão de a moderna Economia Mainstream ainda ser muito parecida com a Economia de 50 anos atrás. Ela é chamada ainda de “Economia Neoclássica” e é criticada da mesma forma como adotada nos anos 1950 ou 1960.

Lisboa alega muito desta crítica hoje estar anacrônica porque o pensamento econômico dominante mudou. Para ele, a Economia da corrente principal se afastou de uma adesão estrita à Santíssima Trindade neoclássica – racionalidade, egoísmo e equilíbrio – para uma posição mais eclética de diversos modelos. Estuda, inclusive, comportamentos com racionalidade limitada, combinando interesse próprio e sustentabilidade. O que importa é o falsificacionismo: ponto de vista metodológico segundo o qual as hipóteses só são científicas – e não meras narrativas sobre “O Sistema” – se e somente se suas previsões são empiricamente falsificáveis.

Desde o ensaio de Milton Friedman sobre A Metodologia da Economia Positiva, publicado em 1953, há uma ideia-fixa por parte de muitos economistas: não importa a realidade dos pressupostos, mas sim a capacidade preditiva da teoria. Hoje, Lisboa caracteriza o pensamento econômico como um conjunto de ideias em evolução, mantido por uma abordagem de modelagem dos problemas e testes de hipóteses.

Daí alguém pode fazer parte do mainstream e ainda assim não necessariamente manter ideias “ortodoxas” neoclássicas. Sua narrativa sobre a Economia nas últimas décadas diz respeito à crescente variação de visões aceitáveis. Para Lisboa, deixou de ser relevante o núcleo [hard core] da Economia neoclássica.

A história do pensamento econômico era lida antes como sutis variações de três premissas básicas do Programa de Pesquisa Científica neoclássico. A primeira é a racionalidade: os agentes econômicos maximizam suas funções de utilidade e lucro, isto é, agem racionalmente. A segunda diz respeito ao atomismo: os mercados livres, inclusive o mercado de trabalho, tendem para o equilíbrio via flexibilidade de preços e salários. Finalmente, a terceira se refere à simetria de informações: todos os agentes têm informação perfeita e jamais se enganam.

O monetarismo manteve a primeira premissa e alterou as outras duas, substituindo-as, respectivamente, por ilusão monetária – com taxas de inflação crescentes, os salários reais estariam sempre atrás do crescimento dos preços – e expectativas adaptativas, formadas a partir da experiência passada, com ênfase maior para os períodos mais recentes.

O novo-classicismo também não questionou a racionalidade. Ele focalizou a desestabilização, quando variações previstas na oferta da moeda não afetariam a produção, apenas as mudanças imprevistas o fariam. Adotou as expectativas racionais. Todos os agentes, seja capitalista, seja trabalhador, teriam o mesmo modo de entender a economia, correspondente à “lógica verdadeira de funcionamento”, isto é, a sua.

Mantendo o suposto de racionalidade, as duas hipóteses do novo-keynesianismo são a rigidez de preços e a descoordenação. Ele estuda os fundamentos microeconômicos (instituições, contratos, clientela, etc.) para explicar a rigidez de salários e preços. Esta rigidez decorre de externalidades das decisões individuais e dos problemas de coordenação entre os agentes.

Portanto, todas as principais correntes do pensamento econômico possuem em comum a premissa de racionalidade dos agentes, mesmo limitando-a. Apenas, recentemente, a Economia Comportamental parte do pressuposto de irracionalidade e/ou decisões emocionais equivocadas e incoerentes. Destaca a ineficiência do mercado por conta de vieses heurísticos e dependência da forma desviarem os preços de seus fundamentos microeconômicos, setoriais ou macroeconômicos determinantes.

A partir da década de 1950, a classificação “Economia neoclássica” deixou de ser a mais apropriada para caracterizar a Economia moderna. Como escreveu meu ex-colega do IE-UNICAMP, Mário Possas, no artigo “A Cheia do “Mainstream” - Comentário sobre os Rumos da Ciência Econômica” (publicado na revista da UFRJ, Economia Contemporânea, Nº 1 Jan. – Jun. 1997), “vários temas relevantes considerados marginais ou intratáveis, e por isso relegados à heterodoxia (ou ao limbo), passaram a ser incorporados, ganhando o status de objetos cientificamente sérios”.

Como exemplos, cita os seguintes. Um economista industrialista precisa estudar Teoria dos Jogos, exaustivamente, por conta de as estratégias empresariais do mundo real serem em geral formuladas em condições bem mais complexas. O macroeconomista adepto de Keynes explica não fazer sentido uma curva de oferta de trabalho e o desemprego não ser só uma “falha de mercado”, devida à rigidez dos salários nominais. Quando constrói um modelo de investimento ou de preços, precisa justificar-se por não assumir expectativas racionais, mas sim incertas. Seus “microfundamentos” se referem à diferença entre incerteza e risco e ao pressuposto crucial de o mundo econômico ser não-ergódico e não-estacionário.

O economista atualizado ao trabalhar com crescimento e dinâmica não pressupõe otimização e equilíbrio geral competitivo em longo prazo. Isso ocorria nos modelos de crescimento com progresso técnico endógeno e rendimentos crescentes. Quem não pressupõe equilíbrio permanente como norma decorrente, tanto dos “mercados eficientes”, como de “agentes pressupostos racionais”, argumenta com base na Economia Institucionalista: existem regras, inclusive informais, hábitos, lógicas de ações e organizações capazes de impor outra dependência de trajetória bem-sucedida.

Portanto, as tendências recentes do mainstream da Ciência Econômica, distinto da ultrapassada ortodoxia neoclássica, destaca a ampliação das fronteiras do seu objeto. Haveria certo consenso a respeito dos critérios comuns de cientificidade aceitos por seus diversos praticantes.

Para a Economia ser bem-sucedida em termos científicos, necessita de novas ideias serem testadas com novos métodos, novas tecnologias e novas informações. Em geral, isso acontece na “fronteira da Economia”. Muitas ideias da vanguarda heterodoxa foram sendo absorvidas pelo mainstream ao longo do debate intelectual em alguns ambientes acadêmicos e midiáticos pluralistas em lugar de outros monolíticos.

Por exemplo, avanços na tecnologia analítica, como desenvolvimentos em dinâmica não linear, permitem modelos alternativos de processos. Tornam possível estudar modelos muito mais complexos se comparados aos estudados antes sem apoio computacional.

A atividade econômica dinâmica pode ter uma dependência de trajetória caótica, afastando-se das condições iniciais. A economia vista como um dos componentes de um sistema complexo se configura a cada conjuntura com uma feição distinta. Porém, é inteligível por pesquisadores perspicazes em análises de diversas escalas.

Para entender o argumento do novo mainstream, é útil pensar na profissão também como um sistema complexo. Não pode ser entendido a partir dos primeiros princípios assumidos. Ele só é compreensível através do processo de mudança subjacente. Da mesma forma, o pensamento econômico pode ser melhor entendido pelo processo de mudança caracterizador de sua evolução ao incorporar ideias antes heterodoxas.

Nesse sentido vanguardista, os debatedores “heterodoxos” questionaram Lisboa. O holismo metodológico ou organicismo sociológico se contrapõe ao individualismo metodológico ainda predominante na Economia do mainstream. Na visão holística, os sistemas sociais constituem “totalidades” a serem analisadas em busca de identificação dos elos principais das interconexões entre seus diversos componentes. Seus desempenhos em grande escala são regidos por leis macroeconômicas essencialmente sociológicas. Há sofismas da composição como o Paradoxo da Parcimônia. Nem tudo verdadeiro para as partes – por exemplo, corte de gastos – se confirma para o todo.

Parte II - Falseamento e Transitoriedade da Verdade

Na segunda parte do debate, foi realizado um balanço dos mandatos sob hegemonia do PSDB (1995-2002) e PT (2003- ½ 2016). Ideologicamente, os debatedores liberais e social-desenvolvimentistas apresentaram suas discordâncias em relação às avaliações de respectivos governos FHC, Lula e Dilma.

Um julgamento imparcial necessitará ainda de maior distanciamento histórico e, portanto, menos apelo emocional e mais dados estatísticos objetivos. É comum em debate entre economistas a apelação à fixação arbitrária das “condições iniciais” ou a avaliação controversa de mérito por critério de “continuidade ou descontinuidade”.

Curiosamente, na controvérsia sobre métodos, Lisboa ressaltou o que diferencia o conhecimento científico de outros sistemas de crença é todo tipo de afirmação deve poder ser submetido a algum tipo de procedimento capaz de confrontar a afirmação com a realidade por meio de um teste. Se a afirmação em busca de expressar o conhecimento não for passível de ser submetida a algum procedimento pelo qual sua falsidade possa ser desvendada, então, não há o que se falar sobre essa afirmação.

O princípio de falseamento está diretamente associado à incerteza quanto ao sabido. Temos de conviver com a possibilidade de as crenças possuídas estarem equivocadas.

Contraditoriamente, o cérebro humano abomina a complexidade, isto é, o desafio de compreender um sistema emergente a partir de múltiplos componentes interativos. Preferem estabilidade e, portanto, infalibilidade para compreensão do mundo. Mas nossa cognição tem de ser capaz de apreender o caráter falseável dos modelos e esquemas de compreensão de mundo, no caso, em sua artificial partição econômica.

O falseamento impõe ao conhecimento científico a transitoriedade. Se o conhecimento anterior é provado ser equivocado, deve haver então um conhecimento melhor a ser colocado em seu lugar. Novas explicações substituem as explicações mais antigas. Em outro momento, estas deixam de ser tão eficazes quanto foi em um passado emocional, justamente porque alguém apresentou e testou outra mais convincente. O caráter transitório do conhecimento científico não possui prazo de validade predeterminado.

Por exemplo, o que foi (e ainda é) dito a respeito do governo da Presidenta Dilma se contaminou pelo clima instaurado de golpismo, desde sua reeleição até ser levado a cabo em meados de 2016. Afirmou-se muita falsa impressão e nítida deturpação em apoio à instauração de pressão política. Houve sabotagem até com “pautas-bombas” no Congresso Nacional, para desalojá-la injustamente do cargo para o qual foi reeleita.

Pior, a repetição de ladainha sem autocrítica, para formação da opinião pública, tem continuado por parte de quem afirmou algo intelectualmente falso face aos dados. Isto ocorre, supostamente, em defesa da reputação por não ter antevisto e alertado sobre a possível deterioração das condições subsequentes ao locaute empresarial.

Lisboa disse: “há um ambiente institucional muito deteriorado no setor produtivo, e isso já vem de anos [no debate reconheceu vir de muitas décadas]. Houve uma degradação da infraestrutura, uma piora imensa da estrutura tributária brasileira nesta década. O que não era bom se tornou pior, com obrigações acessórias, uma criatividade impressionante para novas regras tributárias. Além do mais, nós tivemos intervenções desastrosas na última década, no setor de óleo e gás, no controle de preços da gasolina, no setor de energia”. No entanto, é possível outra narrativa a respeito do governo Dilma.

Ele não releva a chamada “agenda FIESP industrialista”, lobby empresarial em favor de desonerações fiscais. Também não ameniza a crítica nem reconhece o primeiro mandato da Dilma ter mantido a taxa de inflação abaixo do teto da meta (6,41% em 2014), apesar da longa seca em todas as estações chuvosas de 2013 a 2016. Para compensar a inflação de alimentos (e a de serviços), houve, de fato, controle dos preços administrados antes do choque tarifário (alta de 18%) de Joaquim Levy em 2015. Só então a inflação em doze meses, medida pelo IPCA, avançou para 10,71%, no pico em janeiro de 2016. Passada a seca, recuou até atingir o piso de 2,46% em agosto de 2017.

Segundo as Contas Nacionais, a taxa de investimento se manteve em patamar acima de 20% de 2010 a 2014. Houve sim investimentos em infraestrutura energética (petróleo e hidrelétricas), logística (aeroportos e estradas), mobilidade urbana e estádios: uma herança benvinda de financiamentos dos bancos públicos com capitalização do Tesouro.

Dilma também conseguiu entregar as menores taxas de desocupação da série histórica no fim dos anos 2012 (6,9%), 2013 (6,2%), 2014 (6,5%). Quando voltou a velha Matriz Neoliberal, elevou-se no fim de 2015 (8,9%), 2016 (12%), 2016 (11,8%) e 2018 (11,6%).

Há ainda economistas neoliberais queixosos contra “o pleno-emprego” da Era Lula-Dilma. Sem comprovação empírica, simplesmente, alegam a taxa de desemprego natural” no Brasil ser em torno de 9% da PEA. Daí os custos trabalhistas pressionaram as “coitadas” das empresas não-financeiras. Na verdade, muitas se endividaram durante as grandes obras públicas. Foi quando houve a chamada “Cruzada da Dilma” contra os juros disparatados brasileiros em uma tentativa relativamente bem-sucedida de alterar a relação juros / câmbio com a depreciação lenta e gradual da moeda nacional até o fim de seu primeiro mandato. Mesmo assim, não foi possível impedir o déficit no balanço de transações correntes em 2014 por conta da explosão da bolha de commodities, entre as quais, despencou a cotação do petróleo já então com exportação líquida do país.

Quando começou a campanha para reduzir os spreads bancários em abril de 2014 e a redução do preço da energia chegou às contas de luz em março de 2013, a popularidade da Dilma atingiu 65% segundo a Datafolha. Em abril de 2013, voltou a elevação dos juros. Durante o auge das manifestações de rua (“revolta dos 20 centavos” ou “queremos padrão FIFA”), em junho daquele ano, a popularidade caiu para menos da metade, próxima de 30%. Porém, com a queda do desemprego logo adiante, a popularidade ultrapassou 40% até levá-la à reeleição no segundo turno em 2014.

Com mais uma derrota, o golpismo “saiu do armário”. Dilma, infelizmente, atendeu o lobby para colocar um economista neoliberal no comando do Ministério da Fazenda. O novo mandato inicia com um discurso de austeridade fiscal contrário às promessas de continuidade do social-desenvolvimentismo, feitas durante a campanha eleitoral.

Logo, em março de 2015, começam as manifestações de ruas a favor do golpe, em simultâneo com as sabotagens do “aliado” PMDB com “pautas-bombas”, armadas pelo vingativo Eduardo Cunha por não ter obtido a solicitada proteção governamental. A política econômica de choques de preços relativos e de juros deteriora ainda mais o déficit nominal. O país perde o grau de investimento em setembro em 2015. De resto, é uma agonia só até o golpe final “semi-parlamentarista”, com apoio dos “podres poderes”: judiciário, midiático e empresarial.

Samuel Pessôa apresenta a calamitosa política econômica do governo Temer – teto dos gastos públicos, reforma trabalhista e tentativa de reforma da Previdência Social –, contra os trabalhadores, como fosse uma resposta a erros acumulados na gestão anterior. Explica-se: ele votou em branco no segundo turno das eleições de 2018, mas torce pela reeleição de Jair Bolsonaro, segundo reportagem do Valor (05/04/19).

O golpe contra a Dilma quebrou o princípio da convivência democrática no Brasil, onde é necessário “autocontrole” ou “comedimento”. É a disposição de se abster de usar contra o adversário ideológico todos os recursos institucionais disponíveis, para manter um pacto de governabilidade e a alternância democrática de poder.

Ambos debatedores, Pessôa e Lisboa ainda acusam o PT de ter aberto mão da autocontenção: “desde sempre, porque fez uma oposição a Fernando Henrique Cardoso altamente destrutiva, mesmo, tendo o presidente tucano praticado bastante a autocontenção em 2002 e entregado a Lula um superávit primário de 3% do PIB”.

O rancor tucano (expresso nessa justificativa a posteriori), tal como o dos demais perdedores em 2014 (Marina) e 2018 (Ciro), ainda se mantém. Nas palavras de Pessôa, “porque no processo eleitoral de 2014, o PT resolveu queimar todas as pontes. Isso ocorreu em três situações: quando o governo petista transformou o superávit fiscal em déficit para reeleger Dilma; quando ‘mentiu à larga’ sobre o que ia fazer, maquiando as contas públicas; e quando demonizou os adversários”. Ora, ora, o “choro de (mau) perdedor” não lhe permite se ver fazendo a mesma “demonização” – e tática política.

Já é hora de virar essas tristes páginas da história recente do país. A esquerda e o centro necessitam se aliar contra a pauta regressiva da extrema-direita. É necessário seguir os exemplos bem-sucedidos da Frente Ampla no Uruguai, da Geringonça em Portugal e, recentemente, na contramão da tendência de crescimento da extrema direita na Europa, dos dinamarqueses com o “bloco vermelho”, dos partidos situados no campo da esquerda, como o Social Democrata, a Lista da Unidade, o Partido Socialista Popular e o Alternativa. A inteligência necessita voltar a vencer a burrice.

Parte III - Debate para Aliança Centro-Esquerda

O debate permitiu comparar os métodos e as interpretações sobre a economia brasileira do social-desenvolvimentismo e do liberalismo econômico. Constituiu um exemplo de debate respeitoso em tempos de polarização.

No entanto, confesso ter ido assistir com uma expectativa maior. Eu vislumbro as forças dos fatos imporem a necessidade de uma Frente Ampla da Esquerda ao Centro na próxima eleição presidencial. Será contra a direita fragmentada entre as candidaturas de reeleição do capitão de extrema-direita e da ambição de poder pessoal do atual governador de centro-direita do Estado de São Paulo, aliás, eleito por diminuta maioria percentual. Os partidos do centro à esquerda necessitarão se apresentar aliados contra o atual retrocesso econômico, político, social e na área de costumes.

Com discursos de ódio mútuo há uma polarização ideológica destrutiva da coesão nacional. À oposição cabe oferecer ao eleitorado brasileiro a oportunidade de um projeto de conciliação com tolerância mútua. São necessários um programa de governo progressista e um candidato com valores morais contra a misoginia, o racismo, a homofobia, a corrupção clientelista, o nepotismo e/ou o favoritismo, etc.

Há uma confusão entre muitos estudantes de Economia (e levada à vida profissional por jovens profissionais ainda imaturos) a respeito da identificação de correntes de pensamento econômico com correntes ideológicas.

Grosso modo, colocam a Economia Política na extrema-esquerda, devido à inspiração marxista. Sua bandeira de luta mais importante seria a defesa de uma distribuição de renda e propriedade mais igualitária. Antes, via acumulação de capital como dependente de um exército industrial de reserva. Hoje, em tempos de automação robótica, percebe o capital estar se descolando da exploração da força do trabalho e o pleno-emprego no capitalismo ser uma miragem distante. Reconhece também a estatização dos meios de produção muitas vezes ter levado a um regime totalitário, distanciando o socialismo realmente existente de sua idealização utópica.

Os pós-keynesianos são posicionados na centro-esquerda. Percebem a inflação ser devido ao conflito distributivo elevado, quando há crescimento até alcançar o pleno-emprego, e a oferta de moeda endógena se acomodar às necessidades das forças de mercado. Seria necessária uma política de rendas para combater essa inflação.

Os novos-keynesianos estão no centro, destacando as forças produtivas e monetárias serem inter-relacionadas e ser possível qualquer nível de emprego, devido à assimetria de informações, seleção adversa pelos credores e risco moral por parte de devedores. Uma política contrária ao racionamento de crédito e outra de gastos públicos contra o ciclo recessivo seriam necessárias face ao “empoçamento da liquidez”.

A síntese neoclássica seria o pensamento econômico da centro-direita. Para ela, a distribuição de renda seria uma resultante natural de acordo com o modelo de equilíbrio geral e o desemprego seria um desequilíbrio temporário. Em curto prazo, a inflação apresentaria um trade-off com desemprego, mas em longo prazo se tornaria inercial. Alguns macro-controles ocasionais poderiam ser necessários muito brevemente.

Para o monetarismo I (Escola de Chicago) e II (novo-clássico), além da Escola Austríaca na extrema-direita, somente a moeda importa, porque o desemprego é assumido como resultante de ilusão monetária em curto prazo e natural em longo prazo. A inflação é um fenômeno monetário devido ao déficit público causado por política favorável ao pleno emprego. Sua estratégia contumaz é defender o livre-mercado através de uma política econômica de austeridade fiscal e “laissez-faire”. A ameaça recessiva manteria a credibilidade da política monetária do Banco Central – e a economia como refém.

Diante dessas linhas de pensamento econômico, devemos pensar na seguinte hipótese: caso em lugar do fragmentado sistema partidário brasileiro houvesse apenas uma opção binária como no segundo turno, ou melhor, como na prática do sistema partidário norte-americano entre os conservadores (Partido Republicano) e os progressistas (Partido Democrata), não teríamos muito mais simpatizantes deste bloco político a favor de tolerância com costumes sociais contemporâneos e contra os citados retrocessos do conservadorismo? Muitos tucanos liberais não se aliariam aos petistas social-desenvolvimentistas, lado a lado, contra a extrema-direita atualmente no poder?

O crescimento de uma frente ampla de oposição só ocorrerá da esquerda para o centro. Hábitos de convivência plural com antigos companheiros de luta contra a ditadura militar devem ser resgatados para sair das quatro décadas de estagnação econômica. Superada a estagflação, temos de enfrentar agora a estagdesigualdade.

Os liberais à americana, isto é, à esquerda (diferentemente dos neoliberais brasileiros aliados à direita) defendem as instituições independentes capazes de resguardar o primado da lei e os direitos das minorias. Os direitos individuais (e dessas minorias) e a vontade popular da maioria nem sempre andam juntos. Em defesa da uma democracia liberal, mecanismos institucionais de controle têm de impedir um populista de direita acumular demasiado poder em nome de uma circunstancial maioria contra as minorias.

Embora os debatedores liberais e social-desenvolvimentistas apresentassem suas discordâncias em relação às avaliações de respectivos governos FHC, Lula e Dilma, o (pouco) dito sobre o presente (des)governo mostrou ser possível conciliar ambas visões em um programa comum de Frente Ampla de Oposição. Se não se dividirem pela discussão ainda rancorosa do passado e se unirem pensando no futuro do país, pode se partir de um diagnóstico aparentemente consensual expresso pelo Marcos Lisboa.

Depois de a economia brasileira ser a de maior crescimento no mundo até 1980, ela estagnou. São já quatro décadas de crescimento médio pífio. Depois da Grande Depressão de 2015-16, há três anos cresce em torno de 1% ao ano. É provável a renda per capita terminar a década atual sem nenhum avanço em relação à anterior.

Em vez de buscar “culpados” e/ou “bodes-expiatórios”, é necessário focalizar os grandes problemas: degradação da infraestrutura, deficiência da logística, economia muito fechada para obter a contrapartida em transferência de tecnologia da indústria 4.0, deterioração do ambiente de negócios desfavorável ao investimento no setor produtivo, estrutura tributária regressiva e excessivamente burocratizada, contencioso tributário do tamanho do patrimônio líquido de empresas não-financeiras, complexidade disfuncional das regras, das normas, das determinações, dos julgamentos. Empresas estrangeiras estão saindo do Brasil. Por causa da micro ou da macroeconomia?

Lisboa foi um dos principais responsáveis pelo avanço da agenda microeconômica no primeiro mandato do governo Lula. Baseados em sua experiência profissional, temos de contemplar suas sugestões para melhorar o ambiente de negócios, criar segurança para ocorrer o investimento em infraestrutura e logística, acertando a legislação tributária junto ao Congresso Nacional, para o país retomar um ritmo de crescimento sustentado.

Diz ele: “É possível mexer em medidas infra legais na mão do Poder Executivo. Na estrutura tributária, reduzir esse contencioso, essas interpretações criativas da Receita, simplificar obrigações acessórias. A agenda de reduzir várias restrições ao comércio exterior já poderia ter começado. Por fim, há a questão da governança do investimento em infraestrutura. Não se precisa esperar até grandes reformas. Há muita medida de desburocratização para simplificar, como protocolos de impacto ambiental mais claros”.

Os debatedores travaram, na verdade, um falso debate em torno da prioridade aos grandes temas da macroeconomia ou da microeconomia, assim como é falso o dilema entre o mercado interno ou o mercado externo no debate entre social-desenvolvimentistas e novos-desenvolvimentistas. A política macroeconômica de regulagem da demanda agregada, ou seja, monetária, fiscal cambial, controle da mobilidade de capital, segundo Lisboa, não faz o país crescer. Importante seria a agenda institucional. Bastos e Mello contrapuseram uma visão keynesiano-desenvolvimentista. Quando há expectativa negativa generalizada por parte do setor privado, o gasto público tem de substituir o privado para o arranque inicial e depois sim fazer o ajuste fiscal.

Em uma visão holística da economia como componente de um sistema complexo, decisões práticas focalizadas nos principais elos de interconexões necessitam ser tomadas. A evolução virá com inovação ou ruptura. Quando houver interação entre agentes empreendedores, meio-ambiente institucional favorável e condições macroeconômicas adequadas voltarão então as variações dinâmicas com retroalimentação virtuosa. As propriedades emergentes das redes de relacionamento entre múltiplos comportamentos desenvolvimentistas de agentes privados e públicos implementarão uma auto-organização sistêmica em novo patamar de crescimento.

As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.

* Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected].

 


Edson Navarro - Economista

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