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17/06/2013
Atraso na educação explica 100% da desigualdade de renda, diz economista

Atrasos educacionais explicam 100% das desigualdades de renda entre diferentes regiões do Brasil.
A conclusão é do economista Alexandre Rands, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco, que tem uma vasta produção acadêmica sobre esse tema.
Seu diagnóstico, se correto, significa que o país investe em políticas equivocadas há décadas.
Segundo Rands, foi o caso de incentivos para o desenvolvimento da indústria de regiões mais pobres e continua sendo o caso de subsídios públicos a setores empresariais específicos.
Ele argumenta que no mercado de capital físico o investimento funciona de forma razoavelmente eficiente.
O mesmo não vale para o setor de capital humano. "Famílias em que os pais têm maior capital humano tendem a ter mais recursos para investir na educação dos filhos", afirma.
Por isso, as desigualdades educacionais tendem a se perpetuar se não houver interferência do governo.
Apesar de melhoras, com políticas que tentam compensar a baixa capacidade de investimento das regiões mais pobres, os avanços do Brasil nessa área têm sido insuficientes, diz Rands.

Folha - De onde vêm as desigualdades regionais?
Alexandre Rands - Existem teorias diferentes. O meu entendimento hoje, com base nos estudos que tenho visto para alguns países, como os EUA, e nos meus próprios estudos para o Brasil, é que é possível explicar 100% das desigualdades só pelas diferenças em capital humano. Se você corrigir o nível médio de instrução da região Nordeste em relação à região Sudeste, você corrigirá a desigualdade entre essas regiões.

Mas a desigualdade de renda caiu no país, certo?
Você vê uma certa melhora da participação do Nordeste. Nossa estimativa é que hoje o PIB (Produto Interno Bruto) per capita do Nordeste deve estar perto de 50% da média nacional. Há cinco anos, era 45%. Então, melhorou, mas a desigualdade ainda é muito elevada.
A remuneração por mão de obra qualificada continua sendo muito alta no país. Portanto, as regiões em que há gente com menos qualificação continuam com renda per capita muito mais baixa.

Investimentos em educação seriam a solução para reduzir a desigualdade?
Sim, essas são as políticas fundamentais para você eliminar as desigualdades regionais. Você precisa mudar o nível médio de educação -considerando qualidade e quantidade da educação- nos municípios.

Então o Brasil passou décadas indo na direção errada, investindo, por exemplo, em políticas de industrialização e desenvolvimento regional?
Totalmente errada, porque partimos dos pressupostos equivocados. Colocando de forma bem simples, há na economia quatro fatores de produção: capital físico, capital humano, trabalho e recursos naturais.
Toda a nossa política supôs que os mercados para capital humano, trabalho e recursos naturais funcionavam razoavelmente bem e que o problema estava no mercado para capital físico.
Então, você teria que subsidiar o capital físico nas regiões mais pobres para poder aumentar sua rentabilidade e atrair mais investimentos. Essa é a base da tese de Celso Furtado, na qual se baseou a política regional brasileira.
Se eu estiver certo, essa lógica está equivocada. Os mercados para capital físico, trabalho e recursos naturais funcionam razoavelmente bem. O que não funciona é o capital humano. É aí que precisamos ter investimentos públicos. Se tivéssemos feito isso na década de 60, hoje teríamos um país altamente equilibrado regionalmente.

Continuamos com as políticas erradas atualmente?
Estamos longe ainda. Estamos gastando muito ainda com políticas que não são adequadas, com financiamentos para investimento de empresa, subsidiando crédito, o que não é necessário.
E hoje a nossa principal política para combater a desigualdade é por meio de transferência de renda para os mais pobres, o Bolsa Família. Este é um programa que tem mesmo de existir, mas você não tem uma política para mudança agressiva dos desequilíbrios regionais.
Os gastos com educação nas regiões mais pobres ainda são muito inferiores aos no Sudeste. Ou seja, ainda estamos reproduzindo as desigualdades regionais.

Mas o Brasil está corrigindo as desigualdades?
O que a gente corrige hoje é praticamente nada. Como os gastos em educação têm escala, quando gasta menos nas regiões mais pobres, você tem um impacto menor.
Quando termina a escola no Nordeste, o aluno sai com capacidade não muito superior a 50% da capacidade do estudante do Sudeste. Talvez até pior do que isso.
Como as escolas aqui [no Nordeste] são muito ruins, então a qualidade do aluno que sai é muito ruim.

A existência de desigualdade de renda em um país é necessariamente ruim?
A desigualdade de oportunidades entre indivíduos é problemática. É o caso de indivíduos que, por seus atributos pessoais, teriam condição de prosperar muito e não o fazem por falta de oportunidades.
Aí, há desperdício de potenciais talentos no país.
Agora, a desigualdade de renda que ocorre depois de você ter dado oportunidade igual aos indivíduos não é prejudicial.

Que países são exemplos de cada caso?
Nos EUA, boa parte da população branca tem nível de oportunidade de se aprimorar e de chegar no mercado com potencial de renda alta semelhante ao que ocorre na Suécia, por exemplo.
Só que o mercado de trabalho na Suécia equaliza rendas, tem sistema de impostos e possibilidades de carreira nas empresas que travam muito a geração de desigualdade a partir daí.
Nos EUA, isso não ocorre. A economia americana promove a remuneração por trabalho adicional. É um mercado mais livre. Essa desigualdade americana é favorável a partir desse ponto.

Por que é favorável?
Porque leva a um maior esforço por parte das pessoas. Mas essa característica dos EUA só vale para os brancos. Se você considerar os negros e os latinos, até os 20 anos, você já gerou uma desigualdade brutal, que na Suécia não existe.
Essa desigualdade até os 20 anos é ruim porque desperdiça muito talento potencial, prejudicando o crescimento da economia.

Em qual desses contextos, a desigualdade brasileira se encaixa?

O Brasil tem muita desigualdade, maior do que a americana até os 20 anos, de qualificação. E, depois dos 20 anos, temos uma economia razoavelmente livre, semelhante à americana.

Investimentos em educação tiveram papel crucial na Coreia do Sul, onde a renda per capita deu um salto?
Lá mais do que tudo foi capital humano. Há mais estudantes na Coreia do Sul indo para a universidade do que nos EUA. A Coreia chegou a ter uma situação que não ocorreu nem nos EUA, em que escolas públicas são melhores do que as privadas.
 

 

 

 


Entrevista Alexandre Rands - Folha de S. Paulo

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