Se você não mora em São Paulo, talvez não conheça a expressão “faria limer”. Ela aponta as pessoas que trabalham nos bancos de investimento da Avenida Faria Lima, o principal centro financeiro da capital paulista.
Paulo Guedes sempre foi o faria limer por excelência. Ele enriqueceu ali, e ali fez germinar a crença de que realizaria uma revolução liberal no Brasil. Existe até um boneco seu, fantasiado de Han Solo, o herói de Guerra nas Estrelas, no saguão de uma fintech instalada na região. Ou ao menos existiu, até pouco tempo atrás.
No último fim de semana, um punhado de cartazes foi espalhado na Faria Lima. Eles trazem uma foto do ministro da Economia acompanhada dos dizeres “faria loser”. Loser é perdedor, em inglês.
Pelo que se sabe, os criadores dos cartazes são designers enfezados, que não têm nada a ver com as duzentas entidades empresariais que, hoje, planejavam divulgar um manifesto pedindo estabilidade política aos ocupantes da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Mas o bafafá em torno do tal manifesto, que consumiu a segunda-feira, e a invenção do “faria loser” acabaram sendo uma coincidência perfeita.
Paulo Guedes foi o maior perdedor na confusão de ontem.
A simples existência de um manifesto empresarial com tantos signatários mostra que a ilusão de que Paulo Guedes conseguiria insular a economia dos solavancos da política se desfez. Ninguém mais enxerga nele o regente da orquestra, mas somente um tocador de, sei lá, trombone, tentando ser ouvido em meio à balbúrdia.
Depois veio a reação do governo. Caixa e Banco do Brasil, ambas estatais, ameaçaram deixar a Febraban caso a federação de bancos assinasse o manifesto. A discussão poderia ter ficado circunscrita a isso, mas Guedes abriu o bico na manhã de ontem e afirmou que o manifesto não era a favor da democracia, como vinham dizendo, e sim contra o governo.
Não demorou para que ele fosse desmentido. O texto vazou, mostrando que não havia incriminação do governo, mas sim uma súplica dirigida ao Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário, pedindo serenidade, diálogo, aproximação, cooperação e pacificação. Só faltou mencionar meditação e feng shui.
Começou a circular então uma outra informação. O problema do manifesto seria a afirmação de que o Brasil precisa “voltar a criar empregos”, ignorando que há sete meses as estatísticas mostram saldo positivo em vagas de trabalho. A discussão já seria tola se houvesse empregos à mancheia no Brasil. Mas não há. Dados oficiais divulgados hoje mostram que 14,4 milhões de pessoas ainda estão desocupadas no país.
Enquanto o governo brigava com a semântica, o presidente da Câmara dos Deputados agia. Coube a Arthur Lira, aliado de Bolsonaro, alinhavar com o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, um adiamento da publicação do manifesto para depois do 7 de Setembro. A revelação desse bastidor reforçou ainda mais a certeza de que Guedes está perdido. Num governo funcional, o ministro da Economia teria abortado na origem a iniciativa dos empresários, impedindo que a história sequer viesse a público. Não teria de esperar um deputado passar a mão no telefone para negociar uma trégua.
Na verdade, o adiamento da publicação do manifesto não foi uma vitória significativa. Se as manifestações bolsonaristas do dia da Independência tiverem teor golpista, como provavelmente terão, haverá motivo em dobro para que as entidades peçam paz na política. Mas, mesmo que a declaração seja engavetada para sempre, já houve um estrago considerável.
O país agora sabe que os empresários estão aflitos e já não veem em Paulo Guedes um interlocutor capaz de pôr ordem na casa. Quase decorativo, ele virou um faria loser.
Fonte:https://istoe.com.br/paulo-guedes-o-faria-loser/