Boletim Econômico Corecon-SP (abril/18) : "Rumo à Política Econômica Anticíclica com Autonomia do Banco Central"
Por Manuel Enríquez García e Eduardo Velho *
Na consecução do regime de metas de inflação é crucial a convergência das políticas fiscal e monetária. Após registrar superávits primários consolidados na média de 1,93% do PIB entre 1999-2002 e de 2,42% entre 2003-2008, a política fiscal brasileira foi posta em cheque em relação à neutralidade na inflação e a sua influência na política monetária. Os desvios sistemáticos da inflação à meta central, e, sobretudo, o timming e a intensidade do ajuste da taxa de juros levantaram questionamentos à condução do Banco Central, que estaria mais associado a um padrão pró-cíclico, inclusive sendo criticado por estar “atrás da curva”, ou seja, quando a autoridade monetária demora a realizar o ajuste.
Um estudo de Carlos Vegh e G. Vulletin (“Overcoming The Fear of Free Falling: Monetary Policy Graduation in Emerging Markets”, NBER WP18175) apontou que as economias em desenvolvimento implementaram políticas fiscais pró-cíclicas historicamente, com expansão de gastos públicos em períodos de ciclos expansionistas do PIB e ajustes contracionistas nas recessões. O comportamento fiscal pró-cíclico estaria associado às dificuldades de acesso ao financiamento do mercado internacional e/ou às pressões políticas por aumento de gastos em ciclos de expansão.
Nos últimos anos, aumentou o número de economias emergentes que tem acionado políticas fiscais anticíclicas, priorizando a poupança fiscal em anos de bom crescimento para gastá-la nos períodos recessivos. O Brasil também adotou por alguns anos uma política fiscal anticíclica, via recuo do superávit e aumento dos gastos, mas sem acompanhamento da estabilidade inflacionária e/ou remoção de sua persistência, o que demandou o aperto monetário a partir de 2013. A geração dos superávits primários desde 2003 foi puxada pelo aumento das receitas e não por controle e/ou maior eficácia dos gastos. Pela leniência inflacionária e das contas públicas durante 2011 à 2015, o Banco Central teve que aumentar os juros mesmo com a queda da atividade econômica, reforçando a política monetária pró-cíclica.
No passado, nas economias emergentes que apresentavam déficits elevados de transações correntes no balanço de pagamentos e desvalorização de suas moedas - como o Brasil nas décadas de 80 e 90 - os governos acionavam a alta das taxas de juros para atenuar esse movimento, mas que impedia a adoção de política monetárias anticíclicas. Vegh e Vulletin constataram que cerca de 40% dos países em desenvolvimento sancionaram políticas monetárias pró-cíclicas nos últimos cinquenta anos, enquanto os industrializados praticaram políticas anticíclicas. Na comparação dos ciclos de política monetária de uma amostra de 69 economias entre os anos de 1960 a 2009, as economias industrializadas adotaram taxas de juros mais elevadas em períodos de maior crescimento, enquanto 40% das economias em desenvolvimento mantiveram taxas de juros reduzidas em ciclos de alta de crescimento do PIB. Entretanto, foi verificada uma mudança relevante entre 2000 e 2009, com 77% das economias em desenvolvimento adotando políticas monetárias anticíclicas, quando em 1960-1999 era de 49%. De fato, as economias chilena e mexicana, que praticavam regimes pró-cíclicos no passado, tem adotado ações fiscais e monetária anticíclicas. O estudo nos faz concluir que a direção mais adequada da política econômica é a convergência para a utilização anticíclica dos instrumentos fiscais e monetários.
As evidências nas últimas décadas sugerem que as economias que adotaram uma política monetária pró-cíclica, com correlação negativa entre taxa de juros e crescimento, geralmente possuíam um ciclo fiscal pró-cíclico. As economias com uma política monetária com viés anticíclico foram menos pró-cíclicas na condução da política fiscal. Por diversos períodos, o Banco Central do Brasil reduziu as taxas de juros quando a economia estava em ciclo de expansão, mas também com inflação elevada, reforçando o viés pró-cíclico e aumentou os juros na desaceleração econômica, como por exemplo no biênio 2013-2014.
Em 2018, o Brasil está em uma fase relevante de transição das políticas fiscal e monetária arrumando as contas e consolidando a estabilidade inflacionária, com mediana das expectativas do IPCA anual de 2018 de 3,53% e 4,09% para 2019, portanto, inferiores às metas centrais definidas de 4,5% e 4,25%, respectivamente. Os instrumentos cambiais não tem sido utilizados como âncoras de preços como verificados no passado, mas claro, não podemos relativizar os riscos de contágio externo de curto prazo, como por exemplo, uma crise deflagrada pelo aumento do protecionismo e pela guerra comercial entre EUA e China.
.A recuperação da credibilidade da gestão e comunicação da política monetária do BC, liderada pelo Economista Ilan Goldfajn, ficou evidente na ancoragem das expectativas do IPCA. O recuo da taxa de juros é consistente com a ancoragem das expectativas de inflação. No curto prazo, o discurso do BC ainda poderá ser “dovish” com a inflação, com a taxa básica de juros recuando pelo menos para 6,25% ou até 6,0% até junho deste ano. Entretanto, ao longo do tempo, a política fiscal terá que contribuir de forma mais incisiva para um crescimento econômico sustentado e a manutenção de uma política monetária anticíclica, com controle no ritmo de expansão das despesas obrigatórias.
Nessa nova fase da política econômica brasileira é salutar a proposta de autonomia do Banco Central que está tramitando no Congresso, estabelecendo os objetivos de estabilidade de preços e da estabilidade financeira, beneficiando maior previsibilidade à condução do mandato do colegiado. Seria como sinalizar aos agentes econômicos que o BC está comprometido em aumentar o peso do descolamento da inflação à meta na sua função reação dos juros, o que reduz o custo da convergência da inflação e que combinado com a trajetória esperada de ajuste estrutural da despesa pública, torna crível a redução da dívida pública nos próximos anos. O resultado dessa coordenação de políticas é superior ao caso em que as autoridades fiscal e monetária atuam de forma independente.
O Banco Central está no caminho correto para a sustentabilidade de uma política monetária anticíclica.
*Economistas: Manuel Enriquez Garcia, Presidente do Corecon-SP e da OEB, e Eduardo Velho, Conselheiro do Corecon-SP