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05/11/2007
Dupla face

A preocupação dos ricos com os fundos soberanos revela a face deslavada do protecionismo contra o capital estrangeiro.

Quem visita o "Lincoln Memorial", aqui em Washington, com a sua bela e monumental estátua desse grande presidente dos Estados Unidos, não faz a menor idéia de que Abraham Lincoln era de uma feiúra notável. Certa vez, durante um debate político, ele foi acusado de ser uma homem de duas faces. Lincoln respondeu: "If I had two faces, would I be wearing this one?" ("Se tivesse duas faces, eu estaria usando esta?").

Lembro esse episódio a propósito da duplicidade dos países desenvolvidos em uma questão que vem adquirindo importância na agenda internacional: os fundos soberanos.
Nessa questão, como em outras, os desenvolvidos têm normalmente duas caras -ambas de pau.

Os fundos soberanos estão no centro das atenções no mundo financeiro internacional. Como o governo brasileiro anunciou a intenção de criar um fundo soberano, que será submetido à apreciação do Congresso, o tema precisa entrar mais na pauta do debate nacional.

O que são esses fundos? Os países acumulam, por motivos de precaução, reservas internacionais. Se um país registra superávits no balanço de pagamentos em conta corrente e/ou recebe ingressos volumosos de investimentos diretos estrangeiros, pode surgir uma situação em que as reservas ultrapassem o nível considerado suficiente para defender o país contra choques e emergências.

Abro aqui um pequeno parêntese. Sempre existe, é claro, a alternativa de parar de acumular reservas e permitir a apreciação do câmbio. Mas, na prática, muitos governos e bancos centrais relutam em seguir esse caminho, normalmente recomendado pelo FMI. Esses países compreendem a importância estratégica de uma taxa de câmbio competitiva para desenvolvimento econômico.

Mas o que fazer então com as reservas "excedentes"? Pode ser interessante destiná-las a um fundo soberano, que faria investimentos com critérios diferentes dos usuais.

Na aplicação das reservas dos países, prevalece a preocupação com liquidez e segurança, em detrimento de rentabilidade. No fundo soberano, haveria mais margem de manobra para investir, buscando mais rentabilidade, ainda que com aumento de risco e diminuição da liquidez dos ativos. As aplicações poderiam incluir ativos financeiros mais arriscados, ações e até a compra do controle de empresas no exterior.

Um dos grandes exemplos recentes é a China, um dos países que mais preocupam os desenvolvidos.

Teme-se, nos EUA e na Europa, que os fundos soberanos sirvam de veículo para adquirir empresas estratégicas. De repente, americanos e europeus descobrem "o perigo do investimento estrangeiro". Revelam uma outra face: a prática deslavada do protecionismo contra o capital estrangeiro e preocupações "jurássicas" com o controle nacional da economia. Não querem que empresas e setores estratégicos passem para o controle de chineses, russos ou outros estrangeiros. Gostariam que os estrangeiros continuassem quietinhos, aplicando em títulos do Tesouro dos EUA ou de outros governos de países desenvolvidos e contentando-se com a modesta rentabilidade oferecida por esses papéis.

Todas as teorias sobre a conveniência de abrir a conta de capital e os méritos do investimento direto estrangeiro e seus benefícios para os países recipientes são abandonados sem a menor cerimônia.

Aos países em desenvolvimento, cabe registrar o contraste gritante entre a doutrina e a prática das nações avançadas. E seguir o velho lema: fazer o que eles fazem e não o que eles pregam.

Paulo Nogueira Batista Jr.

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