DOLARIZAÇÃO NA ARGENTINA?
Será que a dolarização é a solução para a crise argentina? Com a inflação acumulada em doze meses registrando 142,7% em outubro, a ideia de abandonar a moeda “doente” (o peso) para adotar uma moeda “saudável” (o dólar) tem um apelo muito grande. Teoricamente, a inflação argentina deveria convergir para a inflação americana. Mas o assunto é bem mais complexo. Gostaria de abordar três pontos que considero relevantes para a discussão.
Em primeiro lugar, os países só chegam a ter inflações muito elevadas quando o governo financia seu gasto público via expansão da quantidade de moeda. Inflação muito elevada tem origem fiscal, e sendo assim o equilíbrio fiscal precisa ser restabelecido antes de pensar em qualquer mudança do regime monetário. Costuma-se pensar que renunciar ao direito de criar sua própria moeda impõe disciplina fiscal. Isso não é verdade. Os países podem financiar seu gasto público via impostos, criação de moeda e emissão de dívida. Sem poder criar moeda, resta criar impostos e/ou emitir dívida. Sem resolver o problema fiscal, não há como resolver o problema inflacionário. E o mais interessante, se o problema fiscal for equacionado, qual seria a necessidade de dolarizar?
Em segundo lugar, adotar o dólar como moeda de curso legal tornaria a Argentina extremamente sensível aos choques que afetassem a moeda americana, tanto positivos quanto negativos. Por exemplo, um choque positivo de produtividade nos Estados Unidos provocaria o fortalecimento do dólar. Se a Argentina não experimentasse o mesmo choque, o fortalecimento do dólar deixaria os produtos argentinos extremamente caros, aumentando importações e reduzindo exportações, e com isso reduzindo a oferta de dólares na economia. E essa contração monetária nessa economia dolarizada provocaria uma recessão. Foi exatamente o que aconteceu com a própria Argentina no final da década dos noventa.
Em terceiro lugar, a ideia de acabar com o peso, e com o Banco Central, seria uma forma de atar as mãos das autoridades, evitando erros na condução da política monetária. Supõe-se que isso representaria necessariamente um ganho de credibilidade. Não é bem assim. É claro que adotar uma outra moeda evita, por definição, erros na condução da política monetária. Mas, ao mesmo tempo, também evita os acertos dessa política. Afinal, perde-se graus de liberdade que podem ser fundamentais para ajudar a economia em situações específicas.
Resumindo, dolarizar a economia argentina está longe de ser um processo fácil, e definitivamente não é uma panaceia. Os argentinos precisam pensar em alternativas para resolverem seus problemas.