Em pelo menos uma área o debate econômico avançou. Existe hoje um consenso que, embora o Brasil tenha melhorado muito nos últimos vinte anos, não vivemos "um momento mágico" e que não é hora de um triunfalismo algo vazio.
É hora de reconhecer que a redução do crescimento decorre, em boa medida, de sérios problemas na oferta. O Brasil perdeu competitividade nos anos recentes, especialmente na indústria. A evidência é avassaladora, revelando estagnação na produtividade, custos elevados, inclusive na área de serviços, e baixo dinamismo tecnológico.
Os diversos rankings internacionais mostram isso claramente: embora as metodologias sempre possam sofrer certas críticas, os resultados são consistentes e sistemáticos. Por exemplo, na última edição do Índice de Competitividade Global, do World Economic Forum, nosso país aparece na 53.ª posição. Mais sério, nossa posição vem piorando nos anos recentes. É o que mostra o conhecido Doing Business, do Banco Mundial: caímos seis lugares, para um lamentável número 126.
No Índice Global de Inovação, calculado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual, aparecemos na 58.ª posição em 2012, resultado de uma queda de oito lugares. Em todos esses índices, um conjunto grande de indicadores é persistentemente avaliado. Por exemplo, os salários descolaram-se da produtividade, especialmente na indústria, elevando muito o custo.
Ora, isto não acaba bem, como mostra o caso atual do sul da Europa: na última década, os custos unitários do trabalho explodiram, ao contrário da Alemanha, onde rendimentos nominais subiram moderadamente e a produtividade nunca parou de melhorar. O resultado está à vista de todos.
O crescimento da produtividade depende de muitas coisas e é uma construção penosamente realizada ao longo do tempo. Já mencionei aqui, por mais de uma vez, o engano que muitos embalaram que bastaria desvalorizar o real e baixar a Selic para a coisa andar. Hoje, é visível que dependemos de muito mais.
Felizmente, em vários setores industriais começa a prevalecer a ideia de se desenvolver programas de recuperação da competitividade. Este foi o tema central do último congresso da indústria do aço, ocorrido em junho. A indústria química, petroquímica e de fertilizantes acabou de montar o Conselho de Competitividade Química.
Acredito que a observação de um caso claro de sucesso serve bem para ilustrar o ponto acima mencionado. Falo aqui na soja, item tratado com certo descuido por muitos economistas urbanos, como apenas uma simples matéria-prima ou commodity.
Como se sabe, a soja começou a se espalhar pelo Brasil a partir do Rio Grande do Sul e do Paraná, ao longo dos anos 60. O intenso desenvolvimento tecnológico permitiu que ela fosse se "tropicalizando" e hoje, importante produção existe nos Estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Bahia, Goiás e até no Piauí e Maranhão, entre outros.
No início do período, a produtividade brasileira era bem inferior à americana. Em 1990/92, mesmo com a soja já firmemente estabelecida, nossa produção por área era 20% inferior à dos Estados Unidos. Entretanto, nosso progresso foi mais rápido, de sorte que, entre 2009 e 2011, produzimos virtualmente a mesma coisa, 2,9 toneladas por hectare. Como gostam de dizer as grandes consultorias internacionais de estratégia, a produção brasileira atende às melhores práticas. É também interessante observar que o padrão técnico do setor é bastante uniforme entre os produtores, independentemente do tamanho da produção.
A trajetória acima descrita só foi possível a partir de um forte avanço tecnológico. Para descrevê-lo, bem como outros impactos da soja, utilizo aqui um excelente trabalho do pesquisador da Embrapa, D. L. Gazzoni, apresentado no VI Congresso Brasileiro de Soja, recentemente realizado em Cuiabá.
Gazzoni relaciona os principais elementos do progresso tecnológico, desenvolvidos no Brasil, e que explicam a trajetória da produtividade acima descrita: cultivares adequados às condições brasileiras; correção e adubação do solo; fixação biológica do nitrogênio (que permite redução de custos de algo como US$ 1 bilhão anuais); manejo de pragas (que possibilitou o uso 70% menor de defensivos); manejo de ervas daninhas; mecanização; desenvolvimento da revolução que foi o plantio direto, técnica que permite mais de uma safra por ano na mesma terra, o que dilui custos, especialmente de capital (por exemplo, a segunda safra de milho, a safrinha, caminha para ser mais importante que a de verão) e, mais recentemente, o desenvolvimento de sistemas de integração lavoura, pecuária e florestas, que, como aponta o autor, "representa o grau máximo na escala da sustentabilidade da exploração agropecuária". Tem muita ciência por trás desta evolução.
Os resultados da expansão da soja são bastante conhecidos: caminhamos para produzir 80 milhões de toneladas e ser o maior exportador mundial. A soja é parte de uma cadeia muito longa, quer em termos de indústrias fornecedoras, quer em termos das processadoras. Do seu grão saem algumas centenas de produtos, alimentares e outros, como o biodiesel. A soja é a principal fonte de proteína vegetal para a produção de carnes. Além da relevância do valor da produção na cadeia e da exportação, estima-se que sejam gerados mais de dois milhões de empregos diretos e outro tanto de indiretos.
Finalmente, merece ser destacado o avanço na sustentabilidade da atividade, a começar da integração lavoura, pecuária e floresta, já mencionada. O plantio direto permite reduzir a erosão e melhorar a qualidade do solo. Permitiu também elevar o sequestro de carbono: estima-se que cada hectare de soja retenha, com o plantio direto, algo como duas toneladas de carbono. O número de aplicações de inseticidas caiu de cinco para duas. A utilização de variedades transgênicas e outras diminuiu muito o uso de fungicidas e herbicidas.
Mesmo com todo este sucesso, e num período de preços excepcionalmente remuneradores, a preocupação básica do já mencionado 6.º Congresso Brasileiro de Soja foi o desafio de continuar a explorar novos limites para maior produtividade e sustentabilidade. Esses temas estavam presentes nas Aulas Magnas e nos 423 trabalhos científicos apresentados.
É impressionante notar que um setor já líder no mercado internacional busque obsessivamente caminhos para elevar a produtividade através de grande esforço de ampliação do conhecimento. Onde está a pesquisa tecnológica e a inovação da indústria brasileira?