Lento, seguro e gradual é o ritmo da:
1) Piora do regime fiscal brasileiro. São duas tendências que se completam: de um lado, os gastos fiscais correntes, sem investimentos e juros da dívida, crescem em termos reais muito acima da expansão do PIB e da arrecadação. Além disso, as receitas são cada vez mais dependentes de eventos não recorrentes (tipo arrecadação do campo de Libra ou acordos da Receita para encerrar casos de contenciosos, como o recente episódio da Vale), e de outros como o pagamento de dividendos, por empresas estatais que logo em seguida recebem empréstimos ou capitalizações lastreados em expansão da dívida pública. Como consequência, o superávit primário vem caindo sistematicamente: o número preliminar de 2013 foi de R$ 75 bilhões ou, aproximadamente, 1,9% do PIB. O déficit nominal pode atingir 4% do PIB neste ano.
Por outro lado, o regime fiscal vem sendo enfraquecido pela constante utilização de truques contábeis (lembram-se da capitalização da Petrobrás?), pela explosão dos restos a pagar (que passaram de R$ 44 bilhões em 2007 para R$ 178 bilhões no ano passado e R$ 235 bilhões neste ano; os dados são do site Contas Abertas e incluem restos a pagar processados e não processados) e conceitos equivocados do ponto de vista econômico. Como exemplos, cito a consideração de depósitos judiciais como se fossem recursos próprios ou a suposição de que uma carteira de empréstimos (que tem risco) tem o mesmo valor presente dos títulos públicos que geraram os recursos ao BNDES e à Caixa (lembram-se da LBR?).
Como resultado, há uma clara perda de confiabilidade dos números que retratam a saúde das finanças públicas. Tudo isto sem mencionar que a política fiscal tem sido francamente expansionista, pressionando as contas externas, a própria inflação e contribuindo para uma eventual revisão na nota de crédito do País.
2) Piora do quadro inflacionário. Terminamos o ano com uma inflação que para muitos, parece razoável, de 5,9%. Entretanto, este número mostra a resistência à queda da inflação, uma vez que os preços livres vêm crescendo na faixa de 7,4% e os preços de um grupo de bens e serviços (combustíveis, tarifa de energia elétrica e ônibus) estão controlados a tal ponto que no conjunto cresceram apenas 1,5% nos últimos doze meses. Se estes preços pudessem ficar congelados por muito tempo, a inflação verdadeira seria mesmo o índice oficial do IPCA. Entretanto, este não é o caso, uma vez que estes preços implicam pesados e crescentes subsídios, insustentáveis de serem mantidos ao longo do tempo. Assim, "a verdadeira" inflação está em algum ponto entre 5,9% e 7,4%, certamente acima do topo da meta. A inflação deste novo ano provavelmente será maior que a do ano passado. Não teremos quedas adicionais dos preços de alimentos em reais, derivados de petróleo e energia elétrica subirão, as isenções de IPI serão recompostas e o real vai de desvalorizar mais. A elevação da taxa Selic para 10,5% na semana passada, que surpreendeu a muitos, sela o reconhecimento desta situação.
3) Piora no balanço de pagamentos, impulsionada pelo quase desaparecimento do saldo comercial. Como resultado, o déficit em conta corrente subiu de US$ 47 bilhões (2,2% do PIB) para US$ 78 bilhões no ano passado (3,5% do PIB). Este resultado e a abertura das taxas de juro americanas, resultante do início da mudança na política do Fed, colocam o real em uma posição de fragilidade, que pode se agravar caso, por exemplo, a crise na Turquia avance nos próximos meses. A modesta melhora da balança comercial que esperamos para 2014 não será capaz de alterar essa tendência.
4) Piora na qualidade da regulação econômica, em que as regras mudam com excessiva frequência e muitas vezes de forma antagônica. Os melhores exemplos disso podem se vistos nas crescentes dificuldades do sistema elétrico (em particular da Eletrobrás) e da Petrobrás, que darão ainda muito o que falar em 2014.
5) Piora em nossa competitividade. Aqui a evidência é avassaladora. A desvalorização recente do real, que deve se ampliar, vai melhorar um pouco a situação do exportador. Entretanto, a melhora será limitada, dadas as crescentes pressões sobre o conhecido custo Brasil, a baixa evolução da produtividade e o limitado volume de inovações introduzidas no sistema produtivo. Nossa indústria continuará enfrentando uma situação muito difícil.
6) Do desmonte do Ministério da Agricultura e de partes importantes do sistema que desenvolveu o agronegócio mais competitivo do mundo, como a manutenção da sanidade animal, da defesa sanitária vegetal, do sistema de abertura de mercados, etc. Com isso, o agronegócio enfrenta hoje uma forte pressão de custos, incerteza nas regras, uma redução de margens e uma elevação de seus riscos financeiros.
7) Piora aguda nas expectativas dos agentes econômicos, resultando num comportamento mais defensivo e no contínuo adiamento de projetos de expansão. Dizer que essa piora é apenas o resultado de análises viesadas de certos observadores é uma grande bobagem. Os empresários são adultos, em geral bem informados, experientes e, em sua maioria, conhecem muito bem a operação do governo, sua política e sua regulação. Não se constrói esse pessimismo a partir do nada, ele é claramente resultado do acúmulo de decepções ao longo destes últimos anos.
Enfim, lenta, segura e gradual foi a construção da armadilha de baixo crescimento econômico, na qual estamos enredados e sem perspectiva de sair dela no curto prazo.