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28/04/2014
60 milhões de vagabundos ?

Marcos Fava Neves

MARCOS FAVA NEVES: “Parte da nossa sociedade parece passar por um processo de ‘vagabundização’, onde o importante, o correto, o almejado é depender do Estado”.

Brasil: uma empresa de 200 milhões de sócios onde 61 milhões não trabalham.

COMO O FATOR TRABALHO PASSOU A SER DESVANTAGEM PARA O BRASIL NOS ÚLTIMOS ANOS


Por Marcos Fava Neves, professor titular de planejamento estratégico e cadeias alimentares da FEA-RP/USP

A deterioração do fator trabalho no Brasil

“Minha vida é andar por este país, para ver se um dia descanso feliz”… Inspirado no mestre Luiz Gonzaga, minha vida como cientista, investigador e palestrante faz com que eu possa rodar o Brasil.

Normalmente falo uma hora para muita gente, e ouço muita gente por muitas horas, sempre aprendendo, desde Petrolina (PE) até Naviraí (MS), de Vacaria (RS) até Campo Novo dos Parecis (MT). Este texto é um compartilhamento das discussões, minha leitura dos fatos.

É o trabalho que gera produção, serviços e valores que são usados para promover desenvolvimento econômico, social e ambiental. A propensão ao trabalho e ao empreendedorismo são valores presentes em muitas sociedades que deram certo e que merecem admiração. Cabe a um país criar condições institucionais para estimular este ambiente.

Se nas viagens os empresários reclamavam de protecionismo, de câmbio, de falta de crédito, hoje a questão do trabalho salta e toma boa parte do tempo de troca de ideias, pois estamos perdendo competitividade por problemas de quantidade (oferta) e qualidade (preparo e custo) das pessoas.

Sobre a quantidade, costumo dizer que somos (o Brasil) uma empresa com 200 milhões de sócios. É uma maneira simples para que as pessoas entendam que todos têm responsabilidade sobre o patrimônio do país. Me parece que questões de cidadania, da antiga “educação, moral e cívica” estão lentamente sendo perdidas em nossa sociedade.

Estamos todos vibrando com a ideia do Brasil a pleno emprego, porém, um aspecto não muito comentado é que temos em nossa sociedade 61 milhões de pessoas em idade de trabalho e produção que não trabalham, não estudam, e não estão procurando trabalho, portanto não aparecem na taxa de desemprego.

É certo que dentro destes 61 milhões há muitas pessoas no trabalho do lar, no “trabalho de mãe” e em atividades informais, entre outras alocações de tempo. Mas há uma parte grande apta a trabalhar e que não trabalha, não gerando produção e impostos à sociedade.

Faço uma simples analogia com um condomínio. Imaginemos morar num edifício com 200 apartamentos. Pois bem, 61 apartamentos que deveriam e poderiam, não pagam o condomínio, e usufruem de toda a infraestrutura existente onerando os demais. Não pagam e não querem pagar.

É preciso ampla investigação nas causas existentes nestas 61 milhões de pessoas, e são distintas, mas está claro que uma parte capaz não está procurando trabalho pois está contemplada em programas assistencialistas, que cresceram muito nos últimos 20 anos. Se encontrar trabalho, perde algum tipo das inúmeras bolsas. Duplo prejuízo ao Brasil, pois perde-se um trabalhador e mantém-se o gasto com a bolsa.

Há tempos queria trazer este aprendizado em um texto, mas a motivação final veio de uma entrevista em VEJA (20/04/14) com George Osborne, ministro das Finanças da Inglaterra, que assumiu em 2010 tendo que cortar o gasto público, pois herdou de seus antecessores do partido trabalhista um déficit orçamentário de 11% do PIB.

Quando perguntado se os cortes de benefícios sociais podem ser bons no longo prazo, disse:

“Eu acredito em um estado de bem-estar social que apoie os necessitados. Ou seja, os deficientes físicos, os idosos e as pessoas que não conseguem encontrar um novo emprego. No Reino Unido, porém, os incentivos sociais se tornaram um equivoco completo. Às vezes, o cidadão ganha mais dinheiro ficando em casa e recebendo seguro-desemprego e outros benefícios do que se decidir trabalhar. Como resultado, o número de famílias de desempregados estava aumentando. A reforma do sistema de bem-estar social é uma parte importante do programa deste governo, e não apenas porque permite economizar dinheiro público, mas porque encoraja as pessoas a procurarem emprego. Trabalhar é a melhor forma de sair da pobreza. Desde que começamos a reformar os programas assistenciais, o número de famílias desempregadas caiu ao menor nível nos últimos vinte anos”.

Abro um parênteses neste texto sobre o trabalho para externar uma opinião de que passamos por uma perda de valores morais e sociais, de ética e de transparência.

Parece que as pessoas perderam a vergonha e acham normal viver às custas dos demais. Tenho dito que parte da nossa sociedade parece passar por um processo de “vagabundização”, onde o importante, o correto, o almejado é depender do Estado, da sociedade, seja pendurados desnecessariamente nas inúmeras bolsas, ou nos milhares de cargos da estrutura Federal, Estadual e Municipal do enorme e ineficiente Estado brasileiro.


George Osborne: “Às vezes, o cidadão ganha mais dinheiro ficando em casa e recebendo seguro-desemprego e outros benefícios do que se decidir trabalhar”
Me parece que nossa sociedade não se choca mais com o fato, absolutamente anormal, das pessoas saírem de cargos públicos e irem para a cadeia.

A vagabundagem, a corrupção e o assalto ao bem público atingiu patamares incríveis e uma aceitação na sociedade, nas organizações estudantis, como nunca tinha visto.

O patrimônio do país vem sendo dilapidado, destruído aos nossos olhos, sob uma indignação “homeopática” da sociedade. Nunca imaginei que chegaríamos a este nível de tolerância generalizada.

Finalizando o aspecto da quantidade do trabalho, precisamos resgatar o principio de Osborne, pois é o trabalho que deve fazer a pessoa sair da pobreza, portanto é necessário que revisemos imediatamente os programas assistencialistas no Brasil, para que ele fique apenas onde é estritamente necessário, visando ofertar mais quantidade de mão de obra. Converter quem tem capacidade, mas está parado, acomodado, em força produtiva para o país.

O segundo aspecto é a qualidade e custo do trabalho. Tenho a grata oportunidade de participar de um projeto de pesquisa da Universidade de Purdue (EUA) onde lecionei em 2013, financiado pela fundação de uma grande fabricante de máquinas, que tem como objetivos levantar lacunas na educação e na formação para o trabalho, aqui mais focado no agro brasileiro.

Em uma semana deste abril, conversamos com quase 100 pessoas em diversas organizações de educação em Ribeirão Preto (SP) e em Luís Eduardo Magalhães (BA). O tema da qualidade no trabalho e sugestões para melhoria na educação será tema de próximo artigo, são muitas as contribuições. Mas adianto, fiquei chocado com o que vi. Nossa educação está muito mal, e isto vai afetar nossa competitividade, o espaço das futuras gerações no Brasil.

Voltando ao tema custo e qualidade do trabalho, são diversos os estudos que mostram que o salário médio em dólar no Brasil mais do que dobrou em 10 anos. Isto é absolutamente louvável e tenho certeza ser um desejo de todos que estão lendo este texto. O problema é que a produtividade do trabalho praticamente não cresceu no período.

Então, empresas que são intensivas em mão-de-obra e que competem no mercado internacional praticamente tiveram seus custos de trabalho duplicados. Este é um dos fatores pelos quais estamos perdendo investimentos e empresas, e consequentemente, postos de trabalho. Precisamos de ações, de adaptar iniciativas que fizeram a produtividade do trabalho crescer em muitas outras nações, pois ninguém quer a perda de renda do trabalhador, que seria a alternativa para baixar custos.

O país é prejudicado por uma legislação trabalhista antiga, não adaptada para as demandas setoriais e os direitos do trabalhador são elevados e caros para as empresas. É uma legislação que não se reforma. São frequentes os relatos que as decisões do judiciário em casos de litígio tendem a proteger sempre o empregado, mesmo que este esteja errado e é fato que existe uma indústria de indenizações consolidada no país, aumentando nossos custos de produção e prejudicando ao final, o próprio trabalhador.

São muitas as histórias contadas de trabalhadores que, após um período registrados nas empresas, onde passaram pela adaptação, por treinamentos, ou seja, uma série de custos, forçam suas demissões fazendo corpo mole ou até mesmo ações danosas às empresas, para ficarem seis meses sem trabalhar recebendo seguro desemprego e depois se empregarem outra vez. O sistema judiciário não apresenta mecanismos para denunciar este comportamento oportunista frequente. Está havendo muito protecionismo? Como podemos modernizar esta legislação sem deixar de proteger quem realmente necessita? É preciso um diálogo mais intenso entre o judiciário, a economia e a administração.

Lendo processos e textos na mídia e ouvindo sobre decisões na área trabalhista, em alguns momentos chego a pensar que hoje no Brasil, o empreendedor, o empresário que produz e que criou o emprego, é um cara do mal. Um “maldito”. Parece que o empresário é o inimigo do país na visão de alguns integrantes do judiciário e da mídia. É preciso rever isto, pois se o ambiente de produção se torna hostil a quem quer produzir, o que é uma total inversão de valores, empreendedores perdem o estimulo. Recebo e-mails de ex-alunos querendo ir embora, empreender fora daqui, quase que jogando a toalha. Até quando aceitaremos isto, perder nossos talentos?

Um país deve ter o culto ao sucesso, e não ao fracasso. Muitas vezes vejo que o sucesso no Brasil não deva ser admirado, e sim detestado. É o sucesso, e não o fracasso, que puxa um país. E o sucesso é composto de inspiração sim, mas muito mais de transpiração, de trabalho.

Termino esta reflexão com mais um trecho de Luiz Gonzaga, para elevar nosso espírito… “Mas doutô, uma esmola a um homem qui é são,
ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. Nos últimos anos, vi o fator trabalho passar de ponto de vantagem competitiva do nosso país para desvantagem competitiva. O Brasil é um país caro para se produzir e difícil de se investir. Mão de obra (e educação) é o problema mais sério nosso, e o de mais difícil solução. É preciso coragem para resolver isto, mas vejo poucas ações neste sentido. Aliás, tenho visto um grande retrocesso.



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