Impostos 'invisíveis' respondem por até 93% do preço de produtos e serviços no Brasil
Estudo exclusivo para o 'Estado' analisa 25 itens e mostra como os tributos indiretos afetam a renda e o consumo de uma família da classe média
Por Bianca Pinto Lima e Mariana Congo / Pesquisa: Fernando Zilveti (GV Administração), Nelson Beltrame (FIA/Fipecafi) e Viviane Morais (WTS do Brasil) / Arte: Pedro Bottino
A imagem de um emaranhado de impostos, em três diferentes níveis de governo, é evocada pelo professor da Escola de Negócios Trevisan Alcides Leite ao falar sobre o sistema tributário brasileiro. Para ter a dimensão exata, é necessário pensar no conjunto formado por União, 27 Estados e Distrito Federal e mais de cinco mil municípios, cada um com sua legislação específica. É nesse intricado cenário que consumidores e empresas se perdem entre impostos, taxas e contribuições.
No caso da tributação indireta, por exemplo, a cobrança não fica clara para o consumidor. "Esses impostos são invisíveis para as pessoas, pois não estão destacados no preço da mercadoria. O cidadão não tem consciência tributária e, com isso, não tem clareza sobre o papel que o Estado poderia desempenhar com a arrecadação", afirma o especialista em finanças públicas e professor da Escola do Legislativo de Minas Gerais, Fabrício Augusto de Oliveira.
Os tributos “invisíveis” incidem sobre mercadorias e serviços e representam cerca de 40% do total arrecadado pelo País. Na conta de luz, um insumo de consumo básico, 31,3% do valor é imposto, segundo a pesquisa realizada com exclusividade para o Estado. No feijão, a parcela é de 32,7%, enquanto na água mineral chega a quase 60% e no vinho importado, 93,3%.
“Quando compra um produto, o rico paga exatamente o mesmo imposto embutido que o pobre”, destaca Leite. Com isso, as classes sociais mais baixas acabam desembolsando muito mais em relação à sua renda. Segundo os dados mais recentes da Receita Federal, de 2010, o principal tributo brasileiro é exatamente o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que responde por 21,1% da receita tributária total, além de ser a principal fonte de recursos dos Estados. “Trata-se de um sistema regressivo, quando deveria ser progressivo. Isto é: quem tem mais, paga mais”, resume Leite.
Complexidade
O grande número de tributos e as constantes mudanças nas regras também encarecem os custos das empresas, a chamada burocracia tributária. Estudo da consultoria PwC e do Banco Mundial mostra que as companhias gastam 2.600 horas (ou 108 dias) por ano no Brasil para ficar em dia com o Fisco – o pior desempenho entre os 183 países pesquisados. Na penúltima posição está a Bolívia, onde as companhias perdem 1.080 horas, menos da metade da média brasileira. “As empresas precisam manter departamentos jurídicos e tributários somente para entender a legislação. Gasta-se muito dinheiro para dar informações ao governo e isso entra no Custo Brasil”, explica o tributarista Samir Choaib.
Antes mesmo de produzir, uma empresa já começa a pagar impostos no País. O ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Miguel Jorge descreve parte desse processo de tributação, o qual considera excessivo. “Quando compra o terreno, a empresa paga impostos municipais. Depois, começa a construir e paga mais impostos municipais e alguns federais, como, por exemplo, sobre a folha de pagamento. Quando então adquiri as máquinas, paga IPI e ICMS.” As etapas de investimento podem durar até dois anos, calcula o ex-ministro, período em que os custos vão se acumulando, para depois serem repassados ao consumidor.
Questionada sobre a complexidade do sistema, a Receita Federal admitiu que parte das pessoas físicas e jurídicas deixam de recolher os impostos devido a equívocos causados por “questões conjunturais”, mas afirmou que tem investido em ações de orientação aos contribuintes.
Eficiência
Mesmo diante do emaranhado de regras e taxas, o Estado brasileiro é eficiente no processo de arrecadação. Por meio do cruzamento de dados, baseado em sistemas cada vez mais avançados, o governo vem aperfeiçoando a fiscalização ao longo dos anos. Em 2010, a carga tributária brasileira (relação entre total arrecadado e PIB) ficou em 33,6%, superior aos Estados Unidos (25%) e ao México (18%), por exemplo.
Dentre os tributos, o Imposto de Renda é tido por parte dos especialistas como um exemplo positivo. “O programa é fácil e eficiente, muito mais do que em outros países”, afirma Choaib. A restituição também é considerada rápida e moderna. Nos Estados Unidos, compara o tributarista, as devoluções vêm pelos Correios, na forma de um cheque.
“Na América Latina, o Brasil é o único país que montou um sistema tributário que, com todos os seus erros, funciona. Nós temos hoje muito mais infraestrutura e expertise social do que qualquer outra nação em desenvolvimento no mundo”, afirma Leite.