Guardo tão boas lembranças das estações de trem do interior, que resolvi prestar-lhes uma homenagem antes que acabem de vez.
Há pelo menos quarenta anos, viajar de trem era algo rotineiro, devido serem os carros e jardineiras - parenta próxima do moderno ônibus - poucos e desconfortáveis, além da existência de poucas estradas asfaltadas. Em seus vagões, bem cuidados, existiam educação, e disciplina entre os usuários. Respeitava-se o patrimônio público, muito diferente do que assistimos hoje em dia.
Nos trens de passageiros existiam duas classes: luxo ou vagão Pullman com poltronas macias forradas em couro e a classe popular, menos sofisticada - mas nem por isso mal cuidado. Na minha cidade, um bom programa era ver o trem das nove horas da noite passar. Era lá que a molecada com suas bicicletas se aglomerava.
Quando o sinaleiro da estação mostrava luz verde, o trem estava a poucos minutos de chegar. Postados na plataforma rente aos trilhos ficávamos nós, para sentir o ventinho provocado pelo seu deslocamento. Aquele cheiro da frenagem - rodas de aço sobre os trilhos, era para mim, um verdadeiro perfume.
Impressionante ver o maquinista apanhar o Staff,- um arco de aço forrado com couro - na mão do chefe da estação, num golpe certeiro. Claro que com o trem em velocidade. Confesso que até hoje não sei para que servia este acessório, mas imagino tratar-se de um código de trânsito entre eles. Muitas vezes torci para o maquinista errar o bote, mas isso nunca aconteceu.
Ficávamos boquiabertos ao ver os “ricos” comendo, bebendo, fumando charutos, cachimbos e conversando alegremente nos vagões restaurantes. A iluminação suave, a toalha de linho nas mesas e um vaso de metal contendo rosas artificiais davam um toque especial e refinado no ambiente. Os passageiros eram elegantes e bem vestidos, afinal somente quem tinha “posse” viajava neste tipo de vagão.
A estação se transformava numa praça de grandes acontecimentos e emoções. Um verdadeiro formigueiro. Gente alegre vindo para matar a saudade, outros chorando de emoção ao voltarem ao velho pago entre abraços, beijos e acenos das despedidas.
Lembro-me que numa dessas vezes, enquanto eu admirava uma elegante senhora jantando com seu marido, delicadamente ela abriu a janela e me ofereceu uma maçã - que delícia! Foi a primeira vez que provei desta fruta, e sinto um gostinho de estação de trem, até hoje, todas as vezes que as saboreio.
A minha maior emoção foi retornar á estação, após trinta dias de internação num hospital. Foi um prazer indescritível ver a charrete do meu velho pai esperando-me no estacionamento, debaixo de um florido flamboyant. Nunca me esqueço, desse final de novembro. “Quando o trem parar na estação, sentirei no coração, a alegria de voltar. Quero encontrar a sorrir para mim, o meu amor na estação a me esperar”.
Alguns dos meus primos fizeram questão de aguardar a minha chegada, tamanha era a saudade e o laço de carinho que nos unia. Foi gratificante vê-los correndo felizes atrás da charrete até nosso destino - o sítio. Quanta pureza na alma! “Nersão”, você foi para mim, exemplo de amizade e solidariedade que carregarei para sempre.
Velha estação, palco do saudosismo e do tempo que passou, quando a vejo abandonada e depredada mal posso acreditar em seu apogeu de outrora.
Em qualquer outro país um monumento como este, seria preservado e se tornaria um importante ponto turístico, mas no Brasil temos o defeito de não valorizarmos marcos que fizeram parte da história.
E VIVA A ESTAÇÃO DE TREM!
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